terça-feira, 31 de maio de 2011

Aos vinte e três

Cansadas depois de acordar
As ramelas dos olhos me levam ao espelho
Tenho vergonha de encarar à frente
-aquilo que nunca fui está ali esperando uma resposta

Meto uma calça jeans
Pego o cinza da camiseta
Calço o velho tênis
Desço do elevador sem cumprimentar o porteiro
-havia mesmo um porteiro?

Na esquina da Avenida Brasil com a São Paulo
Encontro mais ramelas como as minhas
Elas são pesadas
Secas
Amargas
Dirigem carros importados
Seguem a pé rumo ao ponto de ônibus
Correm em silêncio enumerando as tarefas do dia
Entre os disparos de mensagens por celular
E a narração das manchetes dos principais jornais do País no rádio da pastelaria

Entro nesse prédio equilibrando um elefante nas costas
E ainda tenho de sorrir dar um alô perguntar tudo bem e o seu pai
-como vai?
No teclado as letras saem lentas sem estilo nem tesão
Sou um homem morto
-concluo aos vinte e três anos de idade

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Karaokê do Tatá

Falei pra ele
Tua putinha!
Contra a parede sem fuga meu amor
De mim o que bem quer
O tuzinho em coro cotovelo
Na minha boca o mindinho do teu pé
Triste pensando em quem naquelas outras?
Ai Tadeu
Setembro senti que já distante
Suas negras de vastas nádegas
Enchendo tua cabeça na minha frente?
Ódio é não escutar o papo inteiro no karaokê
Sei bem que além do parabéns
No sorriso daquelas promessas de uma cama mais quente talvez
Domingos de fúria e gozo sem pausa?
Invencível no karaokê do Tatá
Da voz profunda sedutora de cadeiras
Em pé quase todos batendo palma
Gente que sai longe até da Vila Operária
Se fala amor aqui bem pertinho capaz de matar
Sozinha já tão achando que eu louca
Ranjando briga errada no Meu Pato
Negando homem machão do teu tamanho sabia?
Perdida quem sabe sem volta pra pinga e cachaça
-nem dó tem aí dentro de mim?
No mar a âncora você me prendendo pra todo sempre?
Choro o sono por ti de raiva e tesão
Enfia a faca em mim mas não me despreza Tadeu

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Me profana diabo!

Na voz vi um sujeito aflito
Tropeçando em palavra e silêncio
Cheio de três pontinhos sabe?
Cinco anos de rua conheço bem o tipo
Combina no Meu Pato e dá balão
Esperando feito trôxa eu sozinha na mesa
Matando o bicho aqui dentro com goles de Presidente
O lugar?
Uma sobreloja na Vila Operária
Pra surpresa não cancela não
Até bonito o apê em cima duma loja de sapato
Toquei o interfone no primeiro andar
Da linha abriu o portão sem dizer oi pode subir vem tesão
Sem elevador parti pra escada
Bem metida num vestido azul curtinho e salto alto
No 101 o olho me espera atrás da porta meio aberta
Salivando me espia de baixo pra cima e empurra a porta
É quatro talvez cinco mãos menor que eu
Tão miúdo capaz de subir nas coxas daqui?
Num risinho digo bem gostoso hem
Se todos fossem assim que nem cê
Ele fica suado acho que sente a mentira
Não insisto
Tinha um sofá laranja no centro da salinha nada demais
Na mesa o retrato derrubado à pressa
-quem abraçado a ele jurando amor eterno?
Peguei pela mão e levei pro sofá
Numa lambidinha na orelha ele todo contorcido
Sete anos sem bimbar?
Louco com as gemidas da leoa em mim ao pé do ouvido
Escancara o tuzinho da tua cotovia faminta
Benze de leite meu rosto minha boca não perdoa nem a covinha
Soca tudo inteiro de uma vez sou tua me profana diabo!
Ele ficou louco ainda mais suado
Lambendo atordoado meu decote até aqui
Daí veio a campainha com alguém batendo na porta
Tão branco tremendo assustado
A voz pela primeira vez respondendo fraquinha calma tô me trocando
Corri pra trás do sofá abaixei muda
Pra minha surpresa ele veio do lado
Levantei achando que tinha outro esconderijo
Nisso a mulher com razão mandando abrir e batendo
Fraco ainda não sei como fez aquilo não
Me erguendo com tudo de uma só vez no colo
Tão rápido não gritei só fechei o olho
Arremessada um andar sem dó pelo escroto
Aqui ó a queda dói como uma faca no tuzinho
Na hora dor alguma
Só a sede de enforcar aquela garganta buscar meu dinheiro bolsa dignidade
Ninguém ali se importou comigo
Nem perguntaram de onde como se eu mesma caí
Enquanto um velho abria o portão aproveitei e corri
Sangue no zóio!
Empurrei a porta num grito alto não lembro o que disse
Quem descia a mão nele era a coitada
Que me jogou vinte pila a bolsa e um olhar de mulher