terça-feira, 26 de novembro de 2013

Arrocha (conto)

O japonês me liga uma vez por semana.
Sem falta quase sempre na quinta.
Exige vestido, decote e salto alto de vinte centímetros.
Batom não aceita além do vermelho.
Já me disse que é professor, promotor, escritor: um treco assim.
Só o nome, não, nunca disse.
Pra mim, ele é o Ulisses.
Nunca quis tomar cerveja comigo.
Chega apressado, senta no sofá e tira a roupa:
Cueca preta, magrelo, amarelo.
Gosta do rádio ligado bem alto.
Em algum sertanejo da Nativa FM.
“Arrocha, arrocha, arrocha.”
Aproveito e tiro a roupa.
Só de calcinha, sutiã e, claro, o saltinho de vinte centímetros.
A pedido dele, danço uma música inteira.
Rebolando, sempre olhando para a parede.
Jamais para ele.
Daí deito no carpete azul marinho.
De bruços.
“Arrocha, arrocha, arrocha.”
Com os pezinhos para cima, ainda no salto alto.
Gemendo, peço que venha.
Ele junta meus pezinhos com as mãos, coloca o pintinho lá no meio.
E esfrega, esfrega, esfrega, esfrega.
Não é raro soltar um gritinho de prazer agudo.
É tudo muito rápido.
Saciado, é a vez dele.
Não deixa que eu me lave nem fale nada.
Quieta, sempre, sem um pio.
Eu levanto, enquanto ele, tremendo, deita no carpete.
De bruços.
Pernas para cima.
Pede que eu aumente o som da Nativa FM.
“Arrocha, arrocha, arrocha.”
Tiro o saltinho e cuspo forte naqueles 20 e poucos centímetros de madeira.
Um treco assim, ó, desse tamanho, consegue imaginar?
Tem tarado pra tudo em Maringá.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

"Verve na língua", entrevista com Fabrício Corsaletti

Texto publicado no Correio Braziliense (9/11/13)

Fabrício Corsaletti responde o e-mail rapidamente. Pelo iPhone, com palavras abreviadas e um erro de digitação lá no meio da mensagem, topa a entrevista e sugere o local da conversa. “Vamos a um bar na Rua Augusta, às 10h30. Me ligue uma hora antes, que te passo o endereço”.

Agendado, o botecão, para a manhã de uma árdua segunda-feira em São Paulo: vida de poeta é mesmo uma coisa fabulosa. O convite à cerveja, embora tão cedo, não soa estranho. É na mesa do bar que Corsaletti costuma atender os repórteres: entrevistas regadas a cevada e acepipes. Quando lançou Esquimó (Companhia das Letras, 2010), seu mais recente livro de poesia, um jornal paulista estampou uma foto dele confortavelmente sentado num de seus botecos favoritos da capital: ao lado da cerveja de 600 ml, o olhar sóbrio encarava o fotógrafo e o leitor.

Conforme o combinado, ligo para Corsaletti, às 9h30: o bar, em cima da hora, vai por água abaixo. E do outro lado da linha telefônica, naquela segunda ensolarada, ele passa o endereço de uma padaria, localizada a poucas quadras do apartamento onde mora, na mesma Augusta. “É muito cedo para a gente beber, né?”

Aos 34 anos, Corsaletti é apontado pelos críticos Manuel da Costa Pinto e Alcides Villaça como um dos grandes novos nomes da poesia brasileira. Ele teve seus primeiros quatro livros de poesia reunidos no volume Estudos para o seu corpo (Companhia das Letras, 2007) e publicou, ainda, duas
obras com versos direcionados ao público infantil, além de um livro de contos e um romance.

Leitor de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Guillaume Appolinaire, Fernando Pessoa e William Faulkner, Corsaletti reúne boas doses de humor, lirismo e tristeza, em poemas quase sempre concisos, bem resolvidos em uma página. A anáfora e a repetição, exploradas a partir de seu segundo livro de poesia, O sobrevivente (2003), foram aos poucos dominando sua escrita,
que rendeu passagens invejáveis nas páginas do Esquimó”.

Nascido em Santo Anastácio, no interior de São Paulo, ele está radicado há 16 anos na capital, onde
trabalha como cronista da Folha de S. Paulo, escrevendo a cada duas semanas aos domingos.

Seu horário, flexível, é bem diferente dos demais paulistanos, que, afoitos, sobem a Augusta equilibrando pilhas de documentos e correm desesperados para alcançar o ônibus no ponto da próxima esquina: tardes e manhãs livres, todas dedicadas à produção literária.

Sentado próximo à janela, encontro Corsaletti numa padaria charmosa e vazia, tomando uns goles de um café espresso. “Você é um boêmio, Corsaletti?” Ele ri. “Não, não. Raramente bebo antes das 18h.” À garçonete, ele pede outro espresso. Numa conversa sem álcool, fala sobre o processo criativo de seus poemas, defende a importância da inspiração e anuncia que o próximo livro de poesia será esteticamente parecido com o Esquimó.

Muitos de seus poemas exploram o humor. Não é o mesmo de Machado de Assis, que é fino. Nem é semelhante ao do João Gilberto Noll, que é grotesco. Como você avalia o humor na sua obra?

Aprecio o humor na literatura, mas não gosto quando ele está em primeiro plano. Gosto quando escritores combinam, por exemplo, um texto sério com um humor negro. É mais ou menos como eu gosto da poesia junto com a prosa. Gosto do humor do Big Bang Theory, mas não suporto o humor desses stand-ups. Gosto do humor que há na poesia da Angélica Freitas, no Drummond, no Vinicius de Moraes. Nos meus primeiros livros, há pouco humor. Acho que fiquei mais bem-humorado, sei lá, porque fui envelhecendo. Mas não sei avaliar o humor da minha literatura. Não sei em que tipo ele se enquadra.

Quando você começa a escrever um poema sempre sabe como irá terminá-lo?

Não. Nunca sei como vou terminar um poema. Também não sei como será a forma do poema. Não sei se o poema terá rimas, se será versificado...

Essa falta descontrole sobre o seu próprio texto não te apavora?

Não, jamais. Sei que isso faz parte do jogo.

Você acredita em inspiração?

Sei que essa palavra está muito batida, mas acredito, sim. A poesia se faz da palavra, mas a emoção faz você chegar à palavra certa. Escrevi muita coisa com raiva, escrevi muita coisa com paixão: a escrita toma forma a partir desses estados. Não acredito na ideia de inspiração de que haja uma musa, e que essa musa fala ao poeta, sabe?

E Eva Green, que você homenageou nos versos de “Plano”, é uma dessas suas musas?

Claro! Quem nunca se apaixonou pela Eva Green? A escolha do nome dela, nesse poema, não foi nada por acaso. Não pode ser apenas subtraído e substituído pelo nome de outra mulher. Eva Green carrega um significado próprio, uma sonoridade. Eva faz alusão à Bíblia; Green, ao verde. Não foi uma escolha gratuita.

Você é dependente da opinião de amigos?

Sou dependente, sim. Às vezes, meus amigos apontam umas coisas muito ruins nos meus poemas, coisas que eu nem tinha reparado, como cacofonias, e aceito as mudanças. Em outros momentos, quando discordo das críticas deles, não mudo nada. No “Penúltimo Poema sobre Meus Pais”, do Esquimó, meu amigo Alberto Martins mandou que eu separasse o poema em duas partes: para dar uma mudança no tom. A Companhia das Letras, no entanto, nunca modificou meus poemas.

Os jornais foram generosos no lançamento do Esquimó.Você ficou surpreso com o espaço que
a mídia te deu?

Olha, não fiquei surpreso. Mas confesso que não esperava que fosse assim, tão bem recebido.

E quanto ao material inédito, o que você já tem pronto?

Já tenho 50 poemas, cheguei a publicar alguns na Folha de S. Paulo, mas ainda não senti que o novo livro está pronto. Está faltando alguma coisa. Alguns poemas, que eu já havia escrito e até gostava, agora já não gosto mais. Dá para sentir que o novo livro não terá uma mudança radical com relação ao Esquimó: são livros esteticamente parecidos.

Você utiliza muitas anáforas nos seus versos, principalmente no último livro. Por quê?

Eu nunca fui atrás das repetições, porém eu gosto muito. Sempre gostei daqueles versos do Alberto Caeiro, de “O Luar Através dos Altos Ramos”: “O luar através dos altos ramos / dizem os poetas todos que ele é mais / que o luar através dos altos ramos / mas para mim, que não sei o que penso / o que o luar através dos altos ramos”. Li esse poema quando tinha 16 anos. A minha paixão pelas repetições vem desse poema.

Achei que tivesse sido por influência do Bob Dylan. Por falar no Dylan, você chegou a traduzir
algumas canções dele, né ? Como foi sua tentativa de verter o Dylan para o português?

Tentei traduzir duas músicas: Isis e uma outra. Fiquei completamente perdido. Não sabia se ia atrás das rimas, ou se ia atrás das imagens. Para piorar, meu inglês é insuficiente: foi muito difícil traduzir o Dylan. Talvez seja uma missão para o Augusto de Campos, mas não sei se ele gosta. O que eu gosto mesmo, sabe, é das minhas coisas.

“Seu Nome”, um belo poema de amor, é o seu poema mais conhecido. Até rendeu boas visualizações no YouTube, num vídeo divulgado pela Companhia das Letras. Como você escreveu o poema?

Levei umas duas semanas para escrevê-lo. Precisei fechar as sequências, evitar as repetições e troquei a ordem dos versos. “Seu Nome” reúne muita coisa que eu queria abordar. Não é, porém, o meu favorito: é o poema a que sou mais grato.

Num dos versos do “Seu Nome”, você citou o Chico Buarque, seu colega da Companhia das Letras: “Não entendo por que Chico Buarque nunca compôs uma música com o seu nome”. Você chegou a mandar seu livro ao Chico?

Mandei um exemplar pela editora, mas ele nunca me respondeu.

Você tem belos poemas sobre o amor. Por que não escreveu nada sobre sexo?

Acho muito difícil escrever sobre sexo. Quero que funcione não no meio termo. A beleza física me dá
vontade de escrever poemas líricos. O tesão não me dá vontade de escrever: me dá vontade de trepar. Gosto dos versos eróticos do Catulo e do Drummond, embora O amor natural não seja um grande livro: é um livro médio, com uma variação de tom.

Alguns leitores dizem que seus poemas chegam a ser fofos. O que acha disso?

Odeio quando me dizem isso. Fico triste de saber.

Você acha que seus livros vão resistir ao tempo?

Acho que não vão resistir, não. Talvez uns dois ou três poemas resistam em antologias futuras. Quem sabe?

Além de Bob Dylan, que som você gosta de escutar? Gosta de Philip Glass, Arvo Pärt?

Não conheço esses dois. Em casa, só ouço Bob Dylan, Johnny Cash e muita música popular. Mas ultimamente tenho preferido o silêncio. Não fico procurando CDs, nem converso sobre as novidades da música. Não consigo mentalizar todos os lançamentos. Sinto que estou cada vez mais isolado com um único objetivo: ler melhor. Ainda nem terminei todo o Faulkner... Escrever dá muito trabalho.