segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Foge, Silvia!

Pára aqui, porra. Policial gostoso. Mostra o cacetete. Na Getúlio Vargas, a viatura pára metros à frente. E volta. Cacete, Silvia, vai dar merda, caralho. Na loja de calçados, o azulejo é coberto por algumas folhas de jornais. O inferno do vestidinho branco.

Marta bem que sabe, em cima da Cidade. O jeans é melhor, não suja. Traz as páginas do dia anterior do Edvaldo. Ás vezes traz até pirulito. Pra mexer com a língua e dar um aceno, sabe? Quase três anos sentada na esquina, as crianças na escola particular, o pai morto-vivo no hospital. Nunca negou cliente. Só não quis com o louquinho. Suado, olho virado, bobo da idéia, mostrando as economias. Sempre por ali. Perseguindo os vestidos que passam. Ás vezes é certo correr. Fica meio esquisito, pode ser violento com pau na mão. Ou faca. Teve uma velha que largou sacola e celular com medo dele. Diz que vai caçar tubarão em Marte. Policial nenhum prende. Entra na quitanda, compra miojo e ganha café. Onde ele cozinha? Ninguém precisa de panela quando não tem miolo. Aqui perto, todo mundo conhece.

Durante alguns meses, Marta atendeu o empresário famoso. Virou até nome do bairro. Sempre ofereceu pozinho, mas dessas coisas eu não gosto, não, viu? Falou em casamento. E como eu não ia acreditar? Só vendo. Falava sério, cuspiu na aliança, era o diabo, aquela mulher. E tão cheiroso, romântico. Não culpo eles, não. Mulher não dá carinho, não dá nada, nem conversa, e quer coisa fiel? Não fosse o maldito ataque cardíaco. Saiu em todos os jornais. Esses, ela guardou com carinho na sala.

Nunca mexeu com polícia. Conhece o comandante Antônio. É direito, sempre pagou certinho. O dia em que ficou enfezado fez o diabo. Também, João Paulo inventou um programa e foi reclamar lá na frente. O melhor vestido vermelho. Tinha que ver. Juntou todo mundo. O rapaz tirou foto pro jornal. Mas tudo amigo. Nem saiu, não. Acho que eles devem trocar por dinheiro, né? Mas quem viu, viu. Comandante puto, chamando de viado, travesti, tudo misturado. Prendeu na hora. Voltou com dente a menos e roxo no corpo. Depois, o comandante não voltou, não. Ás vezes passa de carro, mas não pára. Fica olhando, volta, volta de novo.

Com a Silvia, mesma coisa. Foge, Silvia!, gritei. Bateram nela ali mesmo. Era comandante de Curitiba. Puxaram cabelo, chutaram, cuspiram nela e levaram no carro. Tremendo toda, eu, atrás da árvore. Atendi um garoto, depois de tudo. Era recém casado. Até o louquinho estava lá, do outro lado da rua. A Silvia? Nunca mais voltou ali.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A antiarte de Duchamp


Um urinol virado ao contrário, uma roda de bicicleta montada sobre um banco e até mesmo um simples pente provocam: o que é preciso para algo ser considerado obra de arte?
Inaugurada em julho, a retrospectiva “Uma obra que não é uma obra ‘de arte’”, a maior já realizada sobre o gênio Marcel Duchamp (1887-1968), na América Latina, é simplesmente desconcertante.
Praticamente todas as 120 obras expostas são réplicas produzidas pelo próprio artista franco-americano, que teve parte da produção original confundida com lixo e jogada fora por sua irmã, enquanto limpava o atelier. “O grande vidro”, “Sendo Dados”, “Caixa-Valise” e “Por que não espirrar, Rose Sélavy?”, produções consagradas de Duchamp, garantem ao público um contato íntimo com o mestre da antiarte. Diversos manuscritos, fotografias e filmes raros sobre o artista também compõem a mostra.
A partir do diálogo de Marcel Duchamp estabelecido com o Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo e até com a sua incondicional paixão pelo jogo de xadrez, é possível acompanhar, no MAM, as propostas da excitante revolução do universo artístico. Os seus ready-mades (tradução equivalente a “pronto para uso”) são as provas de que todo objeto cotidiano e trivial, qualquer objeto resultado da produção de massa, quando assinado pelo autor e deslocado para dentro de um museu, transforma-se em obra de arte. Duchamp coordenou uma revolução marcada por seu humor ácido e sardônico, que não poupou nem mesmo a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, rabiscada com divertidos bigode e cavanhaque.
“Roda de bicicleta” (1913), o seu primeiro ready-made, abre a retrospectiva. O público, reunido em redor de uma roda inerte sobre um banco, é tomado por uma desconfortável sensação coletiva. O efeito é a catarse, ao enfrentar obras tão inusitadas e repletas de puro anarquismo estético. Mas, sobretudo, repletas de genialidade.
Poucos metros à frente, pendurados no teto, “Previsão do braço partido” (1915) e “Porta-garrafas” (1914/1964), uma pá para neve e um suporte para garrafas, respectivamente, causam estranheza e arrancam sorrisos do público embasbacado.
A sensação desconfortável reaparece, inclusive, durante a leitura dos textos objetivos e bem escritos que conduzem os espectadores. Sorrisos consternados estampam faces quase incrédulas, observando o tampão de pia em bronze polido, na obra “Boca-ralo” (1964/1967), e “Ar de Paris” (1919), que é, simplesmente, uma ampola vazia; cheia, apenas, de ar parisiense.
Frente a frente com sua obra mais popular, a “Fonte” (1917/1964), nenhum ruído, nenhum comentário. O silêncio fúnebre predomina, como se os espectadores estivéssemos próximos de um túmulo. O mictório invertido é fotografado. Pessoas posam ao seu lado e analisam detalhes nos diversos ângulos. Gênio? Louco? Bizarro? Superestimado? Dadá? Graças a Duchamp, hoje, um intelectualizado vômito dentro de um museu é arte. Uma pessoa gritando dentro de um museu é arte. A própria ausência de obras de arte, em um museu, é arte. Você, leitor, acompanhando esse jornal: se você estivesse dentro de um museu, também seria uma obra de arte. Agradeça a Marcel Duchamp, o algoz dos cânones tradicionais. O coveiro zombador da arte clássica.
Marcel Duchamp: Uma obra que não é uma obra “de arte” permanece no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) até o dia 21 de Setembro. Endereço: Parque do Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, portão 3. De terça a domingos e feriados, das 10h às 18h. Ingresso: R$ 5,50. Crianças até 10 anos e adultos com mais de 65 anos não pagam. Telefone: (0/xx/11) 5085-1300.

domingo, 7 de setembro de 2008

Amordaçada na mesa do Abílio

Mariana, adoro seu pescoço. Adoro ficar colada atrás de você. Não há nada mais excitante do que te provocar, rodeada pelas garotinhas da sexta série. Eu te aperto muito forte? Desculpa. Mas não vou deixar de sussurrar porcarias no seu pescoço. Passar a língua na sua nuca gelada. Eu preciso de você. Aqui mesmo na loja. Agora. Vamos bem gostoso, doidinha. Doidinha docinha. Não tem câmera, não. Aproveitar que estamos sozinhas, vai. Não vou te tratar como qualquer outra, já que você reclama. A gente só se diverte com hora marcada. Está chato. Parece dentista. Psicólogo. Passeio ciclístico.
Ah, se Abílio soubesse. Nunca mais nos deixaria fechar a loja. Vamos na mesa dele. Quero te amordaçar ali. Dessa vez, quero que você grite ainda mais alto. Será que Dona Maria acaba ligando de novo? Velha asquerosa. Não pode ouvir a diversão alheia. Amanhã limpo a sujeira. Chego mais cedo. Levo-te da mesa para a vitrine. Mas antes você vai ficar aqui. Amordaçada na mesa do Abílio.

domingo, 13 de julho de 2008

O PAMPEIRO


Graças ao nobre vereador Chico Caiana, que patrocinou as primeiras cem cópias, o blogueiro e acadêmico de Letras Michel Queiroz finalmente me convenceu de engendrar um fanzine.
Na primeira edição, publicamos quatro contos ("O grande velho", "Estelita bate-bate", "Um conto para Lindalva" e "Aos setenta") que já haviam sido veiculados em nossos blogues.
"O Pampeiro", nome muito bem sugerido por Michel, deve saciar os leitores mais tradicionalistas
que preferem o papel à internet e, obviamente, deve expandir os nossos leitores obtusos.
A linha editorial é a orgia. Vale conto, crônica, entrevista, artigo, balbúridas literárias, poemas etc.
Já que a impressão de "O Pampeiro" está sendo financiada por nós mesmos (e Chico Caiana, claro!), dificilmente você encontrará uma edição.
Caso haja algum interesse, entre em contato que negociamos uma impressão.