sábado, 25 de fevereiro de 2012

Dentro de você

Eu não saberia
Descrever o
Que tanto
Quanto ontem foi
Bom dentro
De você a noite
Inteira
Ao som de Bob Dylan
Charme Chulo debaixo
Das estrelas
Às vezes quando
(era raro)
Fazíamos uma pausa você
Abraçada olhando
Da mesma forma
Daquele jeito
Na frente da ponte
O que tanto te atrai em Monet?
(pergunto)
Mas não há tempo para respostas Monet
Vira um eco naquele museu
(há alguns meses)
Nós não estamos no museu
(ela responde)
Soterrada roçando
Seus pés
Nos meus esfregando as
Pernas nas minhas
Pernas são gritos de janela
Aberta
Ninguém nos escuta
Não escutam os tapas
Na sua bunda
Não escutam os xingamentos   
Que você me chama
Não escutam os vizinhos que
Para amar
É preciso foder
Eu não saberia
Descrever o
Que tanto
Quanto ontem foi
Bom dentro
De você  

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

São São Paulo

Já refiz esse caminho mais de um milhão de vezes
E sempre me perco
Fazer a baldeação na
Praça da Sé?
Praça da República?
Da Árvore?
(me pego decifrando o papel amassado com o roteiro no bolso)
Descer na estação Ana Rosa
Na primeira rua à esquerda
Virar à esquerda depois da quitanda
(onde foi parar a quitanda?)
São Paulo às vezes me assusta
Dessa geografia vadia
São Paulo
Sempre me perco nas suas ruas
Sem GPS
Sem um mapa nas mãos
Surgem aos poucos
Muitas putas das suas esquinas
Mendigos
Imitadores de Michael Jackson
Roberto Carlos
Peruanos tocando "Sound of Silence"
Na Avenida Paulista
Todos pedem dinheiro
Não há maior prazer
São Paulo
Do que me perder em você
Descobrindo o avesso das noites
Que abrem os braços
Pernas
Das vias
Que mudam de mão
(sem aviso prévio)
Das quitandas que desaparecem
(onde foi parar a quitanda?)
Mapas que te obrigam
Desnorteiam
Curioso
Perdido
Nas entranhas da sua cidade

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Morrer ainda é cedo

Morrer querida ainda é cedo
Sem pressa para beber nossas frustrações
Numa só noite
Elas gritam muito mais
Em pequenas doses sabia?
O emprego que você não suporta
-mas precisa
Vamos brindar a ele querida
Ao derrame do meu pai
Paralisado com um sorriso débil
Morto-vivo
No rosto
Brindemos a ele querida
Vamos cuspir na cara deles
Se não nos deixam entrar
Negando oportunidades sem nos conhecer
São uns covardes
Escrotos
Um brinde aos medíocres em volta da gente vem
Ergue a taça comigo
Dança essa valsa
De onde vem essa valsa?
Pouco importa
Deixe que eu te levo
Meio bêbado
Confesso
Começo com os dois vinhos vazios
-Santa Helena
Do lençol bagunçado
O nascer do sol em São Paulo
Os cinco primeiros botões desabotoados
-da camisa que você me pediu ontem para dormir
Charme Chulo cantando no rádio
(“qualquer canção de boteco”)
Sobre as canções
Que combinam com o nosso amor
Você espreguiça ao meu lado
Pede um café
Em poucos minutos vamos disputar o caderno de cultura
(e eu sempre perco o jornal
perdido
beijando
cada estrela tatuada no seu pescoço)
Esses
Querida
São os melhores dias da minha vida

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Passado

Vendo essas fotos antigas não entendo por que
A gente não deu certo se fomos felizes?
Ficamos bêbados quantas vezes no Democrático viajamos para Minas
Gerais onde você me apresentou seus tios avó sobrinhos padrasto
Menos seu pai que tanto queria infelizmente
Mas morto nas imagens não há um momento em que você não me aperta contra
O seu rosto enquanto esboça um sorriso
Temendo que minha língua engula de novo seu pescoço
Deixando marcas no meio da calçada na frente dos turistas da igreja
-você apontando para uma série de manchas negras em seu corpo
Rimos tanto de piadas nas madrugadas vimos filmes por que
A gente não deu certo se fomos felizes?
Não foram intensos todos aqueles momentos? forte
Te abraçando contra a parede sussurrando entre o vendedor de
Chicletes e uma velha de blusa vermelha eu quero tanto agora tirar a
Sua roupa lamber seus peitos bunda buceta
Deitados na cama em descanso do nada você me olhando
Caçar os versos de uma antiga edição do Gullar
(você sempre me olhava muda mas me olhava no fundo na alma)
E voltava ao seu lado para ler dois três poemas
Antes de tudo recomeçar bebíamos uns goles de cervejas que nunca acabavam
Não dava para encarar vinho naquele calor
Aprendi com o tempo a desconfiar do seu perfume
Compreendi que no fim a paixão não passa de um surto
Incontrolável é preciso evitá-la
-na pior das hipóteses dosá-la
Curar os sintomas com cuidado
Gota a gota    
Pode demorar um pouco
Mas chega mas passa
Igual a tudo na vida
Até esquecer
-de uma vez por todas
O número
Do telefone
Da casa dela

Elomar faz show de arrepiar em São Paulo; leia a crítica

O escritor português António Lobo Antunes já escreveu em "Boa Tarde Às Coisas Aqui Em Baixo" que "o inferno consiste em lembrarmo-nos a eternidade inteira". É - e será - assim, infernal, lembrar que a memória, traidora, me passou o pé no último domingo, em São Paulo, no concerto do cavaleiro Elomar Figueira Mello. Trocando os horários, chego no auditório Ibirapuera com meia hora de atraso, Elomar já no palco, acompanhado pelo seu filho, João Omar. Ambos munidos de seus violões.

"Mas o show não era às 20h?",indago, surpreso, à moça da bilheteria. "Não, senhor. Às 19h". Disparo um palavrão qualquer, corro para as duas únicas poltronas vazias dos 800 lugares do auditório: uma para mim, uma para a namorada. Perdido, já naquela hora, um terço do concerto.
Elomar, aos 74 anos, carregou seus 800 cavaleiros para um concerto fabuloso. A voz está segura, firme, um "trovejo", como diz o próprio compositor; o violão, impecável. Percorrem os dedos, "enforcando o pescoço da viola", com uma intimidade invejável. Cada acorde sem trastejar. Um mestre, de fato.
Cantando sobre o sertão profundo, em constante diálogo com a Idade Média, o "Príncipe da Caatinga", como definiu Vinícius de Moraes, dedicou boa parte da apresentação às sua árias sertânicas - uma definição elomariana para as árias de suas óperas, que também versam sobre a caatinga.

Elomar, além de compor o cancioneiro brasileiro, com "Campo Branco" e "Arrumação", também se dedica à música erudita. Ao todo, o cantor e compositor gravou um total de 15 discos, entre 1972 e 1995, mergulhando em óperas, concertos e canções.

Bem humorado, Elomar fez do concerto um stand-up, arrancando gargalhadas com seus causos entre uma canção e outra. "Eu não gosto de fazer shows, não. Por isso mesmo, cobro caro. Mas aí tem esses artistas que cobram ainda mais caro, e o meu caro, no fim das contas, sai baratinho. Então, tenho que vir tocar", contou.

Na plateia, alma alguma teve coragem de fotografar ou filmar a apresentação. Entrando no teatro, os funcionários já alertavam sobre as exigências do recluso baiano. Na fileira à minha frente, um sujeito teve a façanha de fotografá-lo. De fininho, sacou a câmera do bolso, mirou em direção ao palco, e pimba! Lá veio o segurança pedindo que ele desligasse a máquina. Elomar provavelmente ficou desfocado -sem tempo, o sujeito, para fazer um enquadramento caprichado. Mas lá está Elomar, capturado pela lente do fã sortudo.

Risos surgiram novamente no final da apresentação, quando o baiano pediu à platéia que cantasse "Arrumação" junto com ele. "Quando faço show, eu gosto de cantar minhas músicas. Afinal, o cachê é meu. O povo fica batendo palma, cantando (Elomar, sentado, balança seu corpo para a esquerda e para a direita, forçando um sorriso débil no rosto). Mas, nessa, todos que sabem a letra podem cantar comigo", convida, entre risos.

"Tão Tarde e Nem Sinal", uma das árias mais belas de Elomar, trecho da ópera "A Carta", foi uma das preciosidades do roteiro. "Gabriela" e "Rapto de Juana do Tarugo" comprovavam a complexidade poética e musical elomariana. É essa complexidade que atrai um punhado de estudantes de história, letras, música e antropologia da graduação ao doutorado, de diversas universidades do País.

Com ingressos a preços populares (R$ 20 / R$ 10), jovens, idosos e famílias, todos reunidos na platéia como numa confraria. Um encontro para privilegiados, que escutam das variações dialetais da língua portuguesa as confissões do sertão profundo.

De arrepiar é a "Cantiga de Amigo", balbuciada do início ao fim pelos 800 seguidores de Elomar. De arrepiar é ouvir "Campo Branco", que chega a marejar os olhos de qualquer peão. Elomar deixa o palco com dificuldades. Todo mundo grita sua música favorita. Que ele volte. Cante mais. Nunca mais saia dali. Faltaram ainda "Curvas do Rio", "O Pedido", "O Peão na Amarração". Que venha o próximo, mestre.

Publicada no jornal O Diário (07/02/2010).