quarta-feira, 10 de outubro de 2012

quando nenhuma música

quando nenhuma música
te conforta mais do que ouvir
os carros amor os carros
passando em volta da gente
e a vontade é de vomitar
antes de chegar à esquina
onde foi parar o controle do portão?
é preciso agachar juntar
os pedaços distantes do que um dia foi o.
para então deixar a casa
(que está à venda)
correr antes do fracasso
escondê-lo na manga da camisa
sem fazer barulho
eu deito no meio da calçada para gritar
um pouco mais alto
balbuciar o seu nome
não só nas noites de porre
tomando socos alguns pontapés
tive o braço quebrado 
e a boca cheia de catarro dos outros
para sentir que aqui dentro ainda havia vida

terça-feira, 19 de junho de 2012

O dia em que quase conheci Paul McCartney

O plano era perfeito. Invadir um dos mais luxuosos e seguros hotéis de São Paulo naquele 21 de novembro de 2010, no primeiro show de Macca em Sampa, ficar de butuca no hall como se fosse um hóspede qualquer e aguardar o começo da passagem de som, horas antes da apresentação, momento em que o ex-Beatle sairia da toca.
No Rio Grande do Sul, dias antes, foi assim que Macca deixou o hotel: no meio do público, separado apenas por um cordão de segurança, caminhando em carne e osso.

Como eu, outros fãs dos Beatles se engalfinhavam pelo hotel aguardando um possível encontro com o ídolo, mas em condições mais confortáveis. Eles haviam desembolsado uma grana pelo quarto, não poderiam ser expulsos a qualquer momento.
Eu era apenas um penetra. Tinha um médico setentão com óculos de John Lennon, um dentista quarentão acompanhado pelo pai e outras figuras não menos folclóricas.

Nesses hotéis de bacana, é de bom tom beber alguma coisa. E foi aí, lá pelo meio-dia, que deixei os beatlemaníacos no hall e dei um pulo na piscina. Fazia um sol daqueles, quem sabe eu não encontrava Macca dando um mergulho ou bebendo uma caipirinha acompanhado de belas mulheres? Achei estranho a movimentação por lá.

Reconheci o careca gordo, segurança pessoal de Macca, de um documentário que vi certa vez. Ele perambulava de bermuda, camiseta branca e chinelão de dedo, encarando todos os hóspedes, como se fizesse um mapeamento das pessoas naquele perímetro. Sempre acompanhado por mais dois pelegos bombadões, com cara de poucos amigos.

À beira da piscina, com uma vista privilegiada do restaurante do hotel, monitoro a refeição do guitarrista e do tecladista de Macca. A qualquer momento, o próprio pode aparecer. Foi quando o garçom trouxe minha caipirinha, e olhei para o outro lado do restaurante, que notei um sujeito franzino, pequeno, um paciente terminal recém fugido da UTI.

Era Lou Reed, há poucos metros com uma loira meio hippie, deslumbrante ao seu modo. Fui à mesa dele, troquei uma rápida ideia, disse que voltaria quando terminasse a refeição, para um autógrafo.

Ele foi cordial. Na minha mesa, a capirinha já ia pela metade quando outro integrante da banda de McCartney deu as caras no restaurante, e os mal-encarados bombadões pareciam menos simpáticos a cada integrante que surgia.

A notícia de que Paul McCartney havia deixado o hotel na manhã passada e, escoltado por apenas um segurança, foi andar de bicicleta com a namorada pelas ruas de São Paulo, era uma coisa que perturbava todos os beatlemaníacos. Por que diabos nós não estávamos lá? Se Macca fez aquilo, certamente aprontaria alguma coisa no dia seguinte.

E por isso nós estávamos lá. Esperto, olhando para todos os lados, sempre vigiado pelos seguranças pessoais de Macca, vi Lou Reed deixando a mesa. Apertei o passo e provoquei. Entreguei um CD dos Beatles para ele assinar. Lou Reed fez uma cara de nojo.

Por pouco não cuspiu na minha cara. Perdi minha raridade. Ele reclamou alguma coisa, virou as costas e se eu não mostrasse um outro papel, em branco, ele não teria feito uma dedicatória cordial em meu nome.

Depois de Lou Reed, os amigos de McCartney foram todos para os quartos. Até os seguranças desapareceram. Só voltaram horas mais tarde. Todos os integrantes deixaram o hotel pelo hall, cruzando a nossa frente.

Na rua, dezenas de fãs se aglomeravam, barrados pelo batalhão de seguranças do hotel. Foram eles quem avisaram: McCartney sairia pela garagem, escoltado pela polícia. Fomos posicionados na saída da garagem, dentro do hotel, num ponto de vista privilegiado em relação aos demais fãs que não estavam hospedados.

Cercado por batedores da polícia, Macca estava no banco de trás do carro, usava óculos escuros, e acenou para mim a cerca de três metros de distância.

Naqueles segundos, minhas pernas bambearam forte. Não tive forças para correr atrás do carro na beatlemania ensandecida. Jovens, tiozões, famílias inteiras sentavam no chão e choravam, satisfeitos com o aceno.

O médico setentão saiu em disparada atrás do carro com um violão. O dentista quarentão perseguiu o ídolo que já dobrava a esquina com um baixo nas costas. Comecei a rir descontroladamente.

Peguei um táxi e fui para o show. Naquela noite, o ex-Beatle fez uma das melhores apresentações de sua carreira, como ele mesmo confessou no site oficial. Nunca chorei tanto num show de rock.

Nunca, na minha vida, a música tocou tão alto, com aquela força incomum, sobrenatural. No dia em que eu quase conheci Paul McCartney, ganhei um aceno personalizado, há três metros, o aceno de um Beatle, bem na minha frente, e acabei irritando Lou Reed. Valeu a aventura.



Publicado no jornal O Diário em 19 de junho de 2012.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Noel Gallagher faz show à la carte em São Paulo

Tentador, o convite. Ver Noel Gallagher, o principal compositor do Oasis, em seu show mais restrito no Brasil. Uma apresentação para poucos. Um esquema à la carte. Seria bem diferente das três turnês que o Oasis trouxe para cá. Não seria num estádio, como a do "Be Here Now". Nem seria para cerca de 14 mil pessoas, como foi na turnê do "Don’t Believe the Truth", ou para mais de 20 mil, como na "Dig Out Your Soul". Se lotasse, Noel Gallagher para apenas 8 mil.

Por isso, gente madrugando até no setor VIP. Todos queriam estar perto. Se possível, com os cotovelos fincados no palco. No gargarejo da bodega. Duas horas antes da abertura dos portões, fãs em filas no Espaço das Américas, em Sampa, controlando a ansiedade. De trilha, uma galera arranhando inglês e violão. Valia enrolar o idioma, arriscar uma segunda voz, com a boca gritar os solos de guitarra.
O que Noel Gallagher não ouviu, foi os fãs gritando seu nome na fila. Vez ou outra, alguém disparava "Liam Gallagher!" e, em seguida, caía na gargalhada. O nome de Caim, citado enquanto todos esperavam Abel, trazia uma amarga comparação. Noel fez um álbum solo primoroso, ganhou a crítica especializada e, nos shows, saiu retomando lados B do Oasis.

Liam, por sua vez, juntou os parceiros de banda e saiu tocando noutro projeto, abrindo mão das composições do Oasis - a maioria escrita pelo irmão. Agradou à crítica, mas o show não é lá essas coisas, sem boas baladas, sem o poder dos refrãos fraternos. Se deu melhor, o Noel.


O que Noel Gallagher não viu, foi na frente do palco, horas antes de dar os primeiros acordes. Bexigas amarelas sendo tacadas de lá para cá, com caricaturas dele a caneta, uma ou outra frase e, no meio das bexigas, uma escrita "Litle James" -para gargalhada dos fãs. A tal música marcou a estreia de Liam como compositor, escrita em homenagem ao filho dele e nunca chegou a entrar no repertório do Oasis.

Nos dois últimos shows de Noel e Liam em São Paulo, São Pedro não deu brecha. Fez um estrago. Era chuva como nunca dantes. Chuva para molhar a alma, carteira, R.G., cueca e meia. "O que acontece conosco e com a chuva em São Paulo?",desabafou Noel, durante a última apresentação. Com o tempo sisudo e nuvens carregadas, a chuva surgiu bem de leve, nem precisou de guarda-chuva, quase imperceptível, como se hesitasse. Mas isso Noel Gallagher não viu.

Vinte minutos antes, chegam no palco os papéis com o repertório. Cinco minutos depois, voltam para o camarim e retornam ao palco rasurados. O que havia ali, o que Noel deixou de tocar, a gente não viu. Tocaria, quem sabe, outro bom lado B sempre fora dos shows, como "Flashback", ou uma versão inusitada de "Garota de Ipanema"? Vai saber.

O que Noel Gallagher viu, foi um batalhão de fãs fiéis à sua espera. Gritando, pulando, cantando verso a verso. E não fez feio. Deu as caras sereno, um lord do rock. Foi bonito, emocionante demais, ouvir "Half the World Away", "Talk Tonight" e "Litle By Litle", lados B eternamente escanteados no repertório do Oasis. Funciona bem - e como! , o primeiro álbum solo executado praticamente na íntegra - só não rolou "Stop the Clocks". Da balada "If I Had a Gun" à inédita "Freaky Teeth", Sir. Noel Gallagher comprova que tem vida longa.

Mas são nos hits do Oasis que a casa cai. Cheios, os pulmões a todo vapor gritam "Don’t Look Back in Anger", "Supersonic" e "Whatever". Tiozões, adolescentes, casais abraçados. É o que conforta os fãs do Oasis. É o legado musical do Oasis que está ali, a oito pessoas na sua frente, executado sem estripulias, de forma competente: rock como o bom rock deve ser feito.

Nem mesmo a chuva, naquela quarta-feira, se arriscou a estragar a noite de Sir Noel Gallagher.

Publicado no jornal O Diário, em 7/5/2012.

Bob Dylan, um canalha dos nossos

Diga o que quiser. Que ele está rouco, que a voz não é a mesma. Que é antipático - nem cumprimenta o público! - e ainda muda radicalmente a forma de cantar suas canções. Acuse-o - vai, o dedo em riste - de ser fanho, de estar velho e muito provavelmente gagá - que fotos são aquelas, minha nossa, dele andando em Copacabana, debaixo dum calor infernal, de gorro na cabeça, jaqueta, botas de cowboy e óculos escuros? Diga o que quiser. Mas Bob Dylan é um mito, um deus.
E mesmo com a voz fanhosa, mesmo ignorando os fãs sentados na sua frente, mesmo exibindo a capacidade camaleônica de suas melodias, o mito domina, como poucos, o manual do blues, a bíblia do rock.

Da vigésima quinta fileira, a poucos metros do palco, vi deus dar as caras no Credicard Hall, em São Paulo, no sábado. Ele, em pé. Comportado, o público acompanha contido: não fossem as malditas fileiras de cadeiras. Mas não dá para segurar. Já na segunda canção, "Don’t Think Twice, It’s All Right", sou tomado por uma felicidade de criança, uma histeria beatlemaníaca. Levanto, num salto da cadeira, ergo meu copão de cerveja, e dou um berro daqueles, para azar do pelego sentado na fileira da frente: um grito vindo da alma.

Daí para a frente, o que fazer para parar o tempo? Perfeito seria nunca mais sair dali. Trancafiados eternamente no show de Dylan. Há romantismo, dum amor que dói fundo, em "Love Sick" - canção que ainda não havia sido tocada em sua passagem no Brasil.

Aos fãs de longa data, os clássicos "Tangled Up In Blue", "All Along The Watchower" e "Like a Rolling Stone" foram tocados com maestria, num arranjo de rock, num som alto, com direito a algumas agachadinhas de Dylan atrás do teclado e, principalmente, durante os solos de gaita: nem deus estava se contendo, contorcendo as pernas, empolgado com a sonzeira.

No palco, quem diria, deus é um canalha. Aquela voz grave, rouca, balbuciando "Things Have Changed"e "Beyond Here Lies Nothing", arrancava suspiros das mocinhas e gritos viscerais dos machões. Dylan, um crápula dos nossos.

Quando encerrou o show, o mistério. Voltaria o mito, para um bis? Os seguranças, separando os setores do teatro, começam a se dispersar. Soldados debandando do campo de guerra, abrindo uma brecha para a plebe no fim da apresentação.

Berro à namorada, puxando-a pelo braço, atravessamos correndo uma fileira inteira de pés, pessoas, desculpas, perdão, e corremos, ainda mais, para a frente do palco. Se vier, Dylan, ali, respirando no nosso cangote. Treme, o chão. As pessoas esgoelam-se: Dylan, Dylan, Dylan. Tão perto, aproveito para torrar o pouco que sobra da voz clamando por "Forever Young". Quatro pessoas ao meu lado aderem ao pedido. E Dylan volta. Tenho certeza que até esboçou um sorriso, olhando debaixo do chapéu seus súditos em estado de graça. Bonita, a afinada berreira coletiva. Arrepiam os pelos do braço. Capaz de pular pela goela, o coração.

Quando retorna, Dylan começa a cantar. Vem até com solos de violino. Não é "Forever Young". Tento compreender, em vão, qual é a música. Só no refrão reconheço, e saio entoando a clássica "Blowing in the Wind" - que ficou fora dos demais shows no País. Ovacionado, Dylan abandona o palco com seus comparsas de rock e blues. Deixo São Paulo com a alma lavada. Aos 24 anos, depois de ver deus tão de perto, já posso morrer em paz.

Publicada no jornal O Diário.

Roger Waters faz show épico em São Paulo

Todo o mundo sabia que seria assim. De arrepiar, avassalador. De chegar no fim do show e torcer para que começasse tudo de novo. De passar um tempo no gramado olhando para o palco, só por mais uns dez minutos, enquanto os roadies vão emparelhando os destroços do muro que acabou de ser derrubado. Ressaqueados, todos nós, de Roger Waters: o nosso Rogério Águas.

No gramado do Morumbi, fãs de todas as idades. Casais de tiozões abraçados no chão, bebendo cerveja, adolescentes, crianças de meio metro lado a lado com simpáticas velhinhas de quase oitenta anos: rock bom não tem idade. Tudo começa com a sinfonia ensurdecedora de helicópteros.
O som das hélices e do motor sai de pilhas de caixas de som espalhadas ao redor do estádio, todas voltadas para o público. A sensação é de estar num campo de guerra, a cinco metros de dezenas de helicópteros, prestes a ser abatido: mais uma vítima da guerra.

Enquanto você teme o bombardeio das aeronaves invisíveis, meio desconfiado, meio deslumbrado, os fogos que explodem palco afora anunciam a chegada de Rogério Águas. A resposta é imediata: explosiva.

Também são explosivos - de onde vem tanta pólvora? -, os primeiros acordes antológicos de "Another Brick In The Wall", a terceira música do show. Dão um arrepio, só de lembrar. Nas vozes das crianças paulistas, o desabafo contra os professores." Deixem as crianças em paz". Quem nunca gostou de dizer isso em voz alta? As 70 mil pessoas lavaram a alma.

Como o repertório tem força e qualidade inquestionáveis, a parte tecnológica não fica por baixo: dá um show à parte. Bonecos gigantes perambulando no palco, imagens de vítimas do terrorismo, desenhos e símbolos da Shell e Mercedes-Benz surgem no muro de 137 metros de largura por onze de altura. Enquanto Rogério Águas vai cantando, o muro domina o palco.

Não há empurra-empurra no público, não há necessidade de estar no gargarejo. Gigantesco, o palco. Melhor mesmo é contemplar a ópera-rock o mais longe possível, sem perder o mínimo detalhe. Uma cabeça na sua frente, e pimba! Perdeu as palavras "Nem fudendo", exibidas durante a execução de "Mother", quando o baixista indaga se devemos acreditar no governo ou no muro.

Clássica, "Hey You" dá início à segunda parte do concerto. Nessa canção, não se vê músico algum: todos emparedados. Em "Confortably Numb", Rogério dá as caras novamente, num estilo à Mister M. Num verso, ele surge acima do muro, lá no alto, munido de um microfone.

Noutro, como num passe de mágica, ele já está lá embaixo, e continua cantando. Como pode? E aqueles solos de guitarra, então, no meio da música? No céu, um outro detalhe deixou o espetáculo ainda mais belo. Sem precisar desembolsar um centavo pela aparição da lua, Rogério Águas parecia se divertir mostrando às gerações o seu filho predileto.

Depois do "The Wall", alguns ainda saíram lamentando a ausência de David Gilmour. Outros, diziam que, agora sim, já poderiam morrer tranquilos. Casais apaixonados, de todas as idades, se abraçavam com fervor, dentro do Morumbi, após o concerto, enquanto a lua tingia de branco o céu de São Paulo.

Publicado no O Diário, em 3/4/12.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Dalton Trevisan não é mais o mesmo

É de espantar, o regime literário que esse simpático velhinho adotou em sua vida. Escreve todos os dias, antes de perambular anonimamente pela Curitiba imortalizada em suas obras. Novo ano, outra obra inédita. E sem dar sinais de diminuir o ritmo.

Diminuto, mesmo, é o texto. Conciso, enxuto, cheio de elipses. Reticências que traduzem uma vida. Contos de três páginas dão conta de uma assombrosa profundidade psicológica. Resenhistas bundões, zé ruelas preguiçosos, vivem dizendo por aí que é o mesmo, Dalton Trevisan. Que se repete. Que fala dos mesmos temas. Que está de novo, de volta. Queria ser Dalton Trevisan parar rir desses caras. Dalton não é mais o mesmo.

A Curitiba, onde residem os personagens do Vampirão, mudou. E ele não ficou parado no tempo. Suas obras mais recentes, como "Maníaco do Olho Verde" e "Violetas e Pavões", trazem personagens usando crack, arquivando fotos de menores nuas em notebook, relacionamentos de homossexuais.

Bem diferente das primeiras obras, "Cemitério de Elefantes" e "O Vampiro de Curitiba". "Curitiba não é mais a mesma", diz um personagem em "Nem Te Conto, João".

Mudou, também, a forma de escrever. Antes, Dalton Trevisan narrava bastante em terceira pessoa. De uns tempos para cá, os textos são narrados apenas em primeira pessoa. A mudança no foco narrativo está ligada diretamente à proposta literária do contista. Quando escreve sobre prostitutas, estupradores e traficantes, Dalton Trevisan mostra as perspectivas marginais, aproximando o leitor de seus anti-heróis.

Nunca reclamou, o Vampirão, de não ter vendido um milhão de livros. Disse a editora, recentemente, que vendeu cerca de 300 mil obras. Leitor fanático de Tchekov, aprendeu com o mestre russo a investir no pior do homem, arrancando gargalhadas do leitor com personagens pérfidos protagonizando cenas irascíveis. Grotesco é com ele mesmo.

Maníaco pela escrita, o Vampirão é nosso maior contista de todos os tempos. Não fosse brasileiro, dedicar-me-ia à língua portuguesa apenas para ler Dalton Trevisan no original.

Publicado no jornal O Diário, no dia 22 de maio.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Tu

....
que se toquem
nossos corpos
de medo
raiva
não
são os silêncios
não incomodam
são?
gritamos à noite
para quebrar o vazio
no teto
transamos
sem parar
bebemos
garrafas
e mais garrafas de
...
ainda não entendo
vem
fala um pouco
mais alto
até que se quebre
uma por uma
as unhas fincadas  
rasgando paredes
quando a gente se
...
para quando o sussurro
em febre arder
no pescoço
arrepia o silêncio
no escuro
tateia
com os pés
o peito
meu abraço
descalço caminho
sou eu correndo
na sua direção
...
dessas pernas não saio
imploro
por favor
o Sol chega lento
nas costas dela
um hemisfério todo
que se abre
não as costas
as pernas
...
quando te conheci
imaginei tudo isso
os copos vazios às seis da manhã
mutilados
os corpos
um do outro
dentes que marcam
a pele
coxas
tu
Trapiche Mio
acordava nos meus braços
com o nariz gelado
depois de bagunçar o lençol
na cama
que arrumei para nós dois
até
... 

terça-feira, 3 de abril de 2012

Neguinha Minha - E-book

O livro táqui.
Copie o endereço abaixo e cole na barra aí da sua tela, como se fosse acessar um site.
Tem erro não. 
Indique aos inimigos.
E pimba!

http://odiariomaringa.com.br/arquivos/gaioto/neguinha-minha.pdf

Lá no Demo

E daí que finalmente o livro vai sair. "Neguinha Minha". De forma independente, pra ser baixado, mas vai sair. São 20 contos, todos ambientados no submundo de Maringá.

Um homossexual tem uma baqueta enfiada em seu ânus, enquanto espera um ônibus no centro da cidade; Um homem, perneta, tenta se justificar na cadeia, preso sob acusação de tráfico de drogas; prostitutas, loucos, tarados, toscos e anões são alguns dos personagens que compõem as histórias curtas do livro.

No lançamento da obra virtual, no bar Democrático, vou distribuir alguns contos do "Neguinha Minha", além de conversar um pouco sobre o livro e autografar obras que não são de minha autoria. Vale levar de tudo. De Gógol a Rubem Fonseca.

Crápulas e calhordas, espero vocês lá. Que venham as cervejas, o bar inteiro.

Quando: 28 de abril, às 18h.
Local: Democrático Bar, Rua Paranaguá, 78, Zona 07. Maringá.
      

    Ana Luiza Verzola

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Dentro de você

Eu não saberia
Descrever o
Que tanto
Quanto ontem foi
Bom dentro
De você a noite
Inteira
Ao som de Bob Dylan
Charme Chulo debaixo
Das estrelas
Às vezes quando
(era raro)
Fazíamos uma pausa você
Abraçada olhando
Da mesma forma
Daquele jeito
Na frente da ponte
O que tanto te atrai em Monet?
(pergunto)
Mas não há tempo para respostas Monet
Vira um eco naquele museu
(há alguns meses)
Nós não estamos no museu
(ela responde)
Soterrada roçando
Seus pés
Nos meus esfregando as
Pernas nas minhas
Pernas são gritos de janela
Aberta
Ninguém nos escuta
Não escutam os tapas
Na sua bunda
Não escutam os xingamentos   
Que você me chama
Não escutam os vizinhos que
Para amar
É preciso foder
Eu não saberia
Descrever o
Que tanto
Quanto ontem foi
Bom dentro
De você  

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

São São Paulo

Já refiz esse caminho mais de um milhão de vezes
E sempre me perco
Fazer a baldeação na
Praça da Sé?
Praça da República?
Da Árvore?
(me pego decifrando o papel amassado com o roteiro no bolso)
Descer na estação Ana Rosa
Na primeira rua à esquerda
Virar à esquerda depois da quitanda
(onde foi parar a quitanda?)
São Paulo às vezes me assusta
Dessa geografia vadia
São Paulo
Sempre me perco nas suas ruas
Sem GPS
Sem um mapa nas mãos
Surgem aos poucos
Muitas putas das suas esquinas
Mendigos
Imitadores de Michael Jackson
Roberto Carlos
Peruanos tocando "Sound of Silence"
Na Avenida Paulista
Todos pedem dinheiro
Não há maior prazer
São Paulo
Do que me perder em você
Descobrindo o avesso das noites
Que abrem os braços
Pernas
Das vias
Que mudam de mão
(sem aviso prévio)
Das quitandas que desaparecem
(onde foi parar a quitanda?)
Mapas que te obrigam
Desnorteiam
Curioso
Perdido
Nas entranhas da sua cidade

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Morrer ainda é cedo

Morrer querida ainda é cedo
Sem pressa para beber nossas frustrações
Numa só noite
Elas gritam muito mais
Em pequenas doses sabia?
O emprego que você não suporta
-mas precisa
Vamos brindar a ele querida
Ao derrame do meu pai
Paralisado com um sorriso débil
Morto-vivo
No rosto
Brindemos a ele querida
Vamos cuspir na cara deles
Se não nos deixam entrar
Negando oportunidades sem nos conhecer
São uns covardes
Escrotos
Um brinde aos medíocres em volta da gente vem
Ergue a taça comigo
Dança essa valsa
De onde vem essa valsa?
Pouco importa
Deixe que eu te levo
Meio bêbado
Confesso
Começo com os dois vinhos vazios
-Santa Helena
Do lençol bagunçado
O nascer do sol em São Paulo
Os cinco primeiros botões desabotoados
-da camisa que você me pediu ontem para dormir
Charme Chulo cantando no rádio
(“qualquer canção de boteco”)
Sobre as canções
Que combinam com o nosso amor
Você espreguiça ao meu lado
Pede um café
Em poucos minutos vamos disputar o caderno de cultura
(e eu sempre perco o jornal
perdido
beijando
cada estrela tatuada no seu pescoço)
Esses
Querida
São os melhores dias da minha vida

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Passado

Vendo essas fotos antigas não entendo por que
A gente não deu certo se fomos felizes?
Ficamos bêbados quantas vezes no Democrático viajamos para Minas
Gerais onde você me apresentou seus tios avó sobrinhos padrasto
Menos seu pai que tanto queria infelizmente
Mas morto nas imagens não há um momento em que você não me aperta contra
O seu rosto enquanto esboça um sorriso
Temendo que minha língua engula de novo seu pescoço
Deixando marcas no meio da calçada na frente dos turistas da igreja
-você apontando para uma série de manchas negras em seu corpo
Rimos tanto de piadas nas madrugadas vimos filmes por que
A gente não deu certo se fomos felizes?
Não foram intensos todos aqueles momentos? forte
Te abraçando contra a parede sussurrando entre o vendedor de
Chicletes e uma velha de blusa vermelha eu quero tanto agora tirar a
Sua roupa lamber seus peitos bunda buceta
Deitados na cama em descanso do nada você me olhando
Caçar os versos de uma antiga edição do Gullar
(você sempre me olhava muda mas me olhava no fundo na alma)
E voltava ao seu lado para ler dois três poemas
Antes de tudo recomeçar bebíamos uns goles de cervejas que nunca acabavam
Não dava para encarar vinho naquele calor
Aprendi com o tempo a desconfiar do seu perfume
Compreendi que no fim a paixão não passa de um surto
Incontrolável é preciso evitá-la
-na pior das hipóteses dosá-la
Curar os sintomas com cuidado
Gota a gota    
Pode demorar um pouco
Mas chega mas passa
Igual a tudo na vida
Até esquecer
-de uma vez por todas
O número
Do telefone
Da casa dela

Elomar faz show de arrepiar em São Paulo; leia a crítica

O escritor português António Lobo Antunes já escreveu em "Boa Tarde Às Coisas Aqui Em Baixo" que "o inferno consiste em lembrarmo-nos a eternidade inteira". É - e será - assim, infernal, lembrar que a memória, traidora, me passou o pé no último domingo, em São Paulo, no concerto do cavaleiro Elomar Figueira Mello. Trocando os horários, chego no auditório Ibirapuera com meia hora de atraso, Elomar já no palco, acompanhado pelo seu filho, João Omar. Ambos munidos de seus violões.

"Mas o show não era às 20h?",indago, surpreso, à moça da bilheteria. "Não, senhor. Às 19h". Disparo um palavrão qualquer, corro para as duas únicas poltronas vazias dos 800 lugares do auditório: uma para mim, uma para a namorada. Perdido, já naquela hora, um terço do concerto.
Elomar, aos 74 anos, carregou seus 800 cavaleiros para um concerto fabuloso. A voz está segura, firme, um "trovejo", como diz o próprio compositor; o violão, impecável. Percorrem os dedos, "enforcando o pescoço da viola", com uma intimidade invejável. Cada acorde sem trastejar. Um mestre, de fato.
Cantando sobre o sertão profundo, em constante diálogo com a Idade Média, o "Príncipe da Caatinga", como definiu Vinícius de Moraes, dedicou boa parte da apresentação às sua árias sertânicas - uma definição elomariana para as árias de suas óperas, que também versam sobre a caatinga.

Elomar, além de compor o cancioneiro brasileiro, com "Campo Branco" e "Arrumação", também se dedica à música erudita. Ao todo, o cantor e compositor gravou um total de 15 discos, entre 1972 e 1995, mergulhando em óperas, concertos e canções.

Bem humorado, Elomar fez do concerto um stand-up, arrancando gargalhadas com seus causos entre uma canção e outra. "Eu não gosto de fazer shows, não. Por isso mesmo, cobro caro. Mas aí tem esses artistas que cobram ainda mais caro, e o meu caro, no fim das contas, sai baratinho. Então, tenho que vir tocar", contou.

Na plateia, alma alguma teve coragem de fotografar ou filmar a apresentação. Entrando no teatro, os funcionários já alertavam sobre as exigências do recluso baiano. Na fileira à minha frente, um sujeito teve a façanha de fotografá-lo. De fininho, sacou a câmera do bolso, mirou em direção ao palco, e pimba! Lá veio o segurança pedindo que ele desligasse a máquina. Elomar provavelmente ficou desfocado -sem tempo, o sujeito, para fazer um enquadramento caprichado. Mas lá está Elomar, capturado pela lente do fã sortudo.

Risos surgiram novamente no final da apresentação, quando o baiano pediu à platéia que cantasse "Arrumação" junto com ele. "Quando faço show, eu gosto de cantar minhas músicas. Afinal, o cachê é meu. O povo fica batendo palma, cantando (Elomar, sentado, balança seu corpo para a esquerda e para a direita, forçando um sorriso débil no rosto). Mas, nessa, todos que sabem a letra podem cantar comigo", convida, entre risos.

"Tão Tarde e Nem Sinal", uma das árias mais belas de Elomar, trecho da ópera "A Carta", foi uma das preciosidades do roteiro. "Gabriela" e "Rapto de Juana do Tarugo" comprovavam a complexidade poética e musical elomariana. É essa complexidade que atrai um punhado de estudantes de história, letras, música e antropologia da graduação ao doutorado, de diversas universidades do País.

Com ingressos a preços populares (R$ 20 / R$ 10), jovens, idosos e famílias, todos reunidos na platéia como numa confraria. Um encontro para privilegiados, que escutam das variações dialetais da língua portuguesa as confissões do sertão profundo.

De arrepiar é a "Cantiga de Amigo", balbuciada do início ao fim pelos 800 seguidores de Elomar. De arrepiar é ouvir "Campo Branco", que chega a marejar os olhos de qualquer peão. Elomar deixa o palco com dificuldades. Todo mundo grita sua música favorita. Que ele volte. Cante mais. Nunca mais saia dali. Faltaram ainda "Curvas do Rio", "O Pedido", "O Peão na Amarração". Que venha o próximo, mestre.

Publicada no jornal O Diário (07/02/2010).