segunda-feira, 4 de junho de 2012

Roger Waters faz show épico em São Paulo

Todo o mundo sabia que seria assim. De arrepiar, avassalador. De chegar no fim do show e torcer para que começasse tudo de novo. De passar um tempo no gramado olhando para o palco, só por mais uns dez minutos, enquanto os roadies vão emparelhando os destroços do muro que acabou de ser derrubado. Ressaqueados, todos nós, de Roger Waters: o nosso Rogério Águas.

No gramado do Morumbi, fãs de todas as idades. Casais de tiozões abraçados no chão, bebendo cerveja, adolescentes, crianças de meio metro lado a lado com simpáticas velhinhas de quase oitenta anos: rock bom não tem idade. Tudo começa com a sinfonia ensurdecedora de helicópteros.
O som das hélices e do motor sai de pilhas de caixas de som espalhadas ao redor do estádio, todas voltadas para o público. A sensação é de estar num campo de guerra, a cinco metros de dezenas de helicópteros, prestes a ser abatido: mais uma vítima da guerra.

Enquanto você teme o bombardeio das aeronaves invisíveis, meio desconfiado, meio deslumbrado, os fogos que explodem palco afora anunciam a chegada de Rogério Águas. A resposta é imediata: explosiva.

Também são explosivos - de onde vem tanta pólvora? -, os primeiros acordes antológicos de "Another Brick In The Wall", a terceira música do show. Dão um arrepio, só de lembrar. Nas vozes das crianças paulistas, o desabafo contra os professores." Deixem as crianças em paz". Quem nunca gostou de dizer isso em voz alta? As 70 mil pessoas lavaram a alma.

Como o repertório tem força e qualidade inquestionáveis, a parte tecnológica não fica por baixo: dá um show à parte. Bonecos gigantes perambulando no palco, imagens de vítimas do terrorismo, desenhos e símbolos da Shell e Mercedes-Benz surgem no muro de 137 metros de largura por onze de altura. Enquanto Rogério Águas vai cantando, o muro domina o palco.

Não há empurra-empurra no público, não há necessidade de estar no gargarejo. Gigantesco, o palco. Melhor mesmo é contemplar a ópera-rock o mais longe possível, sem perder o mínimo detalhe. Uma cabeça na sua frente, e pimba! Perdeu as palavras "Nem fudendo", exibidas durante a execução de "Mother", quando o baixista indaga se devemos acreditar no governo ou no muro.

Clássica, "Hey You" dá início à segunda parte do concerto. Nessa canção, não se vê músico algum: todos emparedados. Em "Confortably Numb", Rogério dá as caras novamente, num estilo à Mister M. Num verso, ele surge acima do muro, lá no alto, munido de um microfone.

Noutro, como num passe de mágica, ele já está lá embaixo, e continua cantando. Como pode? E aqueles solos de guitarra, então, no meio da música? No céu, um outro detalhe deixou o espetáculo ainda mais belo. Sem precisar desembolsar um centavo pela aparição da lua, Rogério Águas parecia se divertir mostrando às gerações o seu filho predileto.

Depois do "The Wall", alguns ainda saíram lamentando a ausência de David Gilmour. Outros, diziam que, agora sim, já poderiam morrer tranquilos. Casais apaixonados, de todas as idades, se abraçavam com fervor, dentro do Morumbi, após o concerto, enquanto a lua tingia de branco o céu de São Paulo.

Publicado no O Diário, em 3/4/12.

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