terça-feira, 22 de maio de 2012

Dalton Trevisan não é mais o mesmo

É de espantar, o regime literário que esse simpático velhinho adotou em sua vida. Escreve todos os dias, antes de perambular anonimamente pela Curitiba imortalizada em suas obras. Novo ano, outra obra inédita. E sem dar sinais de diminuir o ritmo.

Diminuto, mesmo, é o texto. Conciso, enxuto, cheio de elipses. Reticências que traduzem uma vida. Contos de três páginas dão conta de uma assombrosa profundidade psicológica. Resenhistas bundões, zé ruelas preguiçosos, vivem dizendo por aí que é o mesmo, Dalton Trevisan. Que se repete. Que fala dos mesmos temas. Que está de novo, de volta. Queria ser Dalton Trevisan parar rir desses caras. Dalton não é mais o mesmo.

A Curitiba, onde residem os personagens do Vampirão, mudou. E ele não ficou parado no tempo. Suas obras mais recentes, como "Maníaco do Olho Verde" e "Violetas e Pavões", trazem personagens usando crack, arquivando fotos de menores nuas em notebook, relacionamentos de homossexuais.

Bem diferente das primeiras obras, "Cemitério de Elefantes" e "O Vampiro de Curitiba". "Curitiba não é mais a mesma", diz um personagem em "Nem Te Conto, João".

Mudou, também, a forma de escrever. Antes, Dalton Trevisan narrava bastante em terceira pessoa. De uns tempos para cá, os textos são narrados apenas em primeira pessoa. A mudança no foco narrativo está ligada diretamente à proposta literária do contista. Quando escreve sobre prostitutas, estupradores e traficantes, Dalton Trevisan mostra as perspectivas marginais, aproximando o leitor de seus anti-heróis.

Nunca reclamou, o Vampirão, de não ter vendido um milhão de livros. Disse a editora, recentemente, que vendeu cerca de 300 mil obras. Leitor fanático de Tchekov, aprendeu com o mestre russo a investir no pior do homem, arrancando gargalhadas do leitor com personagens pérfidos protagonizando cenas irascíveis. Grotesco é com ele mesmo.

Maníaco pela escrita, o Vampirão é nosso maior contista de todos os tempos. Não fosse brasileiro, dedicar-me-ia à língua portuguesa apenas para ler Dalton Trevisan no original.

Publicado no jornal O Diário, no dia 22 de maio.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Tu

....
que se toquem
nossos corpos
de medo
raiva
não
são os silêncios
não incomodam
são?
gritamos à noite
para quebrar o vazio
no teto
transamos
sem parar
bebemos
garrafas
e mais garrafas de
...
ainda não entendo
vem
fala um pouco
mais alto
até que se quebre
uma por uma
as unhas fincadas  
rasgando paredes
quando a gente se
...
para quando o sussurro
em febre arder
no pescoço
arrepia o silêncio
no escuro
tateia
com os pés
o peito
meu abraço
descalço caminho
sou eu correndo
na sua direção
...
dessas pernas não saio
imploro
por favor
o Sol chega lento
nas costas dela
um hemisfério todo
que se abre
não as costas
as pernas
...
quando te conheci
imaginei tudo isso
os copos vazios às seis da manhã
mutilados
os corpos
um do outro
dentes que marcam
a pele
coxas
tu
Trapiche Mio
acordava nos meus braços
com o nariz gelado
depois de bagunçar o lençol
na cama
que arrumei para nós dois
até
...