quinta-feira, 25 de junho de 2009

Num bar em Lisboa

“Bolchevique! Bolchevique! Bolchevique!”, acusou-me o sujeito bigodudo e gordo, com o dedo em riste. O Bocage era tudo o que eu sempre quis, com o fado melancólico do quarteto lusitano. Os poucos bêbados, as garçonetes e as paredes soturnas do Bocage pareciam girar, enquanto a soprano recitava alguns excertos d’Os Lusíadas, acompanhada pelo timbre estridente da guitarra.
O sujeito se aproximava.
Debaixo do braço, pasta encardida e caderno velho. Jornais macilentos colados sobre as páginas. Dizia-me, do pouco que eu conseguia ouvir, algumas datas e nomes russos. Tcheckov precisava de alguém na fábrica. Mas ele não voltará para aquele inferno nunca mais. Comunista, Tcheckov, nessa altura do jogo? Tentei continuar a conversa. A colheita e o carteado. Olhava-o, mas já não ouvia. A temperatura havia consumido suas pedras de gelo; as mulheres, a bebida. A gola desarrumada contrastava com o cabelo alinhado.
E já era melancolia demais.
Educado, agradeci a cerveja. Sorri ao deixar o dinheiro. Ele empurrou de volta. Em pé, me segura o braço e abre a pasta. Três canetas caem. Devolvo sem algum agradecimento os panfletos subversivos. Muito texto, poucas fotos. Luto contra o espirro, mas ele sai mesmo assim e eu limpo minha mão na camisa branca. Crônicas literárias narram o encontro do militante colombiano, Passos Aguiar, com um agitador cultural, no meio da posse de Gorbachov, em 12 de Março de 1985. Não sei russo, confidenciaria. Não sei quem é o agitador nem o tal Aguiar.
Estou aqui, estou em Lisboa, estou definhando. E só.
Estou definhando moralmente, intelectualmente e socialmente.
Pediríamos outra bebida e o sujeito me pagaria outro drinque. Falaríamos sobre linguística, poesia e, talvez, até desabafássemos sobre o sexo, que sempre precisa ser desabafado nesses lugares estranhos, desproporcionais, angustiados. Criticaríamos as mulheres, seríamos grandes amigos.
Era uma reunião plenária do Comitê Central do Partido Comunista analisada sobre cinco ou seis literatos e intelectuais alternativos. O indicador atabalhoado do gordo apontava a foto: cinco personalidades russas. A morena de olhos verdes, ele apontava, quase em segundo plano, aqui, quase desfocada: Lá estava Carolina, bem atrás do escritor que eu nunca ouvira falar.
Eu seguia mais rápido por aquela Lisboa encardida, em que as pessoas possuíam cabeça de galo e corpo de bacalhau. E não sorriam. “Carolina é só uma questão de tempo”, gritava o gordo, tresloucadamente.
Subíamos correndo, eu e o acusador, por entre a D. Dinis; passávamos pelas putas; banhávamo-nos às margens do Tejo e escalaríamos sem dificuldade a Torre do Tombo. O acusador nunca me alcançaria. Talvez até chegasse perto, com seus dedos escapando da gola da camisa. Quase.
“Bolchevique! Bolchevique! Bolchevique!”, acusou-me o sujeito gordo com o dedo em riste. Foi a última coisa que eu consegui ouvir, antes de receber dois tiros e ser arremessado às margens do Tejo.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Por que tão faminta?

Acordei de pau duro. Não consegui urinar. Tive que mijar sentada, forçando meu pau para baixo, para que ele não encostasse na beira da privada. Eu estava no Vale Azul, tinha acabado de ser sequestrada por dois fortes negros e um ruivo obeso com chapéu panamá. Eles enfiavam canos de aço no meu cu, masturbavam-se uns aos outros e terminavam gozando na minha boca, puxando meu cabelo, enfiando as três picas de uma vez goela abaixo. Ai Meu Deus, caralho, vou engasgar, tenham dó de mim, porra. Cada vez que eu pedia clemência, mais rijo eles surgiam. Nem adiantou chamar Nossa Senhora. Eu sentia a barba ruiva roçando minhas costas, seus dentes podres a estraçalhar meu pescoço, um dos negros babando no meu mamilo direito e o outro punhetando-se atrás do ruivão. Entre os três sujeitos, eu, cadela no cio, saciando o desejo, gritando socorro, querendo mais, sem saber quantas grossas picas amontoavam-se, agachada, satisfazia cada um deles, dedicada, sorrindo, vem ruivão, e eles já não eram três, mas vinte, vinte e nove, que voltavam ainda mais sedentos quando satisfeitos. Eu havia sido molestada no Parque do Ingá, no bloco G34 da UEM e, finalmente, em Sarandi, no Vale Azul. Não é lá muita coisa ter acordado de pau duro. Meu pau é bem pequeno, aliás, se você quer saber. Desde que abandonei a enfermaria do Hospital Santa Rita, há três meses, mal saio da cama, o mastruço se exibe orgulhoso. E só desce na hora do almoço. Deus, por que tão faminta?