segunda-feira, 22 de março de 2010

Não demora?

21:08.
Tão tarde da UEM.
Ai, que ainda bem não tem aula.
E se?
Quem sabe.
Uma só?
Avenida Brasil.
Só espiar.
Loira, morena e ruiva.
Saem do bar.
Todas de mini shorts.
Como adoro as pernas.
E se?
Qual delas?
Hum.
Dou a volta no quarteirão.
Merda.
Bem na hora que tem carro passando.
Não paro.
Dou outra volta no quarteirão.
Viro à direita.
Que azar.
Agora tem um Palio na frente e essa caminhonete atrás.
Eles me conhecem?
Anotaram minha placa?
Outra volta no quarteirão.
Ah, é agora.
Ninguém atrás de mim.
Nem do outro lado da rua.
Dedo em riste, vidro fechado, eu aponto.
A loira olha pra mim.
Eu?
Aponto para a do lado.
Quero a ruiva.
A ruiva parece confusa.
A loira me aponta a ruiva.
Olho para a morena e ela aponta para si mesma.
É, você mesma, eu balanço a cabeça.
Pode ser.
As três são gostosas. E já tem carro vindo atrás de mim.
Ela me encara com um sorriso.
Ai, adoro esse shorts jeans curto.
Tenta me enxergar melhor.
Eu uso óculos.
E boné encobrindo minha testa e sobrancelha grossa.
Quanto é o programa?
É cinquenta o completo.
Ela sorri.
Gostosa.
Hum.
E a chupetinha?
A chupetinha é vinte e cinco, e com camisinha.
Hum.
Dá pra fazer só por quinze?
Ham? Fala um pouco mais alto?
Tô ouvindo Oasis bem alto.
Dá pra fazer a chupetinha por quinze? Eu tenho camisinha.
Ela me olha.
Quer ver se sou feio.
Minha última namorada me achava feio.
Minha professora do jardim de infância me achava feio.
Meu irmão, esses dias, disse que sou feio.
É rápido?
Como assim, eu pergunto.
É rápido? Não demora?
Acho que ela gostou de mim.
Não, acho que não demoro.
Sorriu, abriu a porta e disse então vamo.
Onde a gente vai?
Vamo na rua de trás.
Tá.
Por que você perguntou se eu demoro?
Ah, tem gente que demora demais, né?
Ah, é? Muito?
Demoram tanto que dá cãimbra de ficar batendo, e cãimbra na boca.
Cãimbra na boca? Pôxa!
Na maioria das vezes eles tão bêbados.
É, né? O álcool dá uma atrasada.
Atrasa demais!
Por isso é bom ficar na rua até meia noite, né?
Meia noite só tem bêbado e tranquêra.
Ah, é?
É.
Assim, todo mundo que procura a gente tem alguma coisa.
...
Você sabe.
...
Tem alguma coisa.
...
Mas todos, cê imagina, não sei qual é a profissão, e entro no carro.
Hum.
Não quero saber, mas vai que o cara é traficante?
E você já se envolveu com gente barra pesada?
Já.
Como foi?
Assim. Não é preconceito.
...
Tenho amigos pretos.
Ham.
Mas só preto me sacaneou.
É?
É. Um dia um me deixou no contorno sul e tive que voltar andando.
Caralho.
É. Outro me levou pro meio do mato. Dois meses atrás.
...
Sujeito estranho, jeito de drogado.
Hum.
Me levou pro meio do mato. Disse que era fetiche.
...
E pimba!
Caralho.
Depois me deixou sozinha. Nem me pagou.
Por sorte a polícia me buscou.
E não me abusaram.
A polícia abusa de você?
Sempre querem alguma coisa, né?
Ou noite completa pro cara que tá casando.
Ou chupetinha pra fazer a ronda mais segura.
Cê já viu, né? Se não fizer? Eles te marcam.
Aqui é Maringá.
A polícia é treta.
Direitos humanos aqui não existem.
Estaciona ali atrás da Saveiro.
Atrás, não. Na frente.
Ela já está com a camisinha nas mãos.
Assoprou a pontinha.
Com a mão esquerda pega em mim.
Sorri.
Tenta me enxergar por trás do astigmatismo e da minha forte miopia.
Me chama de amor.
Engole com força.
15 minutos depois diz que deu câimbra. No braço.
Prometo ser rápido.
Passo a mão nas costas dela.
Na bunda.
Mas gosto mesmo é da perna.
Da perna naquele shorts curto jeans.
Gostosa.
Que delícia.
Dou um tapinha na bunda.
Ai, que gostosa.
Ai.
Ai.
Dou outro tapinha.
Delícia.
Gostosa.
E pimba!
Enrolo a camisinha usada.
Jogo fora da janela numa árvore.
Subo a bermuda azul.
Minhas bermudas são sempre azuis.
Ela pergunta minha idade.
Eu minto.
Não digo que tenho 22.
Ou que sou jornalista.
E que sou formado em Letras.
Respondo a questão: 20.
Por isso essa cara de novo.
Você acha?
Eu acho.
Qual o seu nome?
Marta.
Você mora aqui?
Perto de Sarandi.
Hum.
Gostei da chupetinha, Marta.
Acho que volto para a gente fazer um completo, que tal?
Volta sim, amor.
Posso te deixar aqui?
Claro.
Deixo Marta na rua de trás.
É menos movimentada.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Tormento do Abílio

Seu padre eu vim aqui pra me confessar.
Não sou dessa paróquia.
Frequento a do Jardim dos Pássaros.
Conhece o Padre Janílson?
Não consegui confessar com ele.
Nem com os amigos.
Não tenho dormido direito.
O tormento diário da minha existência.
O que eu falo só o senhor me ouve né?
Sem Maria anjinhos ninguém vai nunca saber né?
É assim.
Direto.
Vou falar de uma vez.
Deus tem aparecido nos meus sonhos.
O próprio.
Eu sei que é ele porque ele me diz.
Vem cercado por um monte de anjinhos.
Falando Aqui em cima na terra prometida não tem lugar pra você Abílio.
O que eu fiz ele diz não tem perdão.
Quando minha mulher saiu de casa logo arranjei outra.
Nem uma semana.
Amor com amor se cura.
Senão vira doença.
Apaixonada bem bonita dizia que me amava.
Junto com ela veio a garota.
Doze aninhos.
Loira como a mãe pele clarinha.
Sempre no banho esquecia a toalha.
Eu levava porque a mãe não desgrudava do fogão.
Mas daí fui notando algumas coisas.
Tem um espelho na frente da pia.
Se a porta fica um pouco aberta dá pra ver lá dentro.
E só espiei porque ouvi os gemidinhos.
Cada vez que eu entregava a toalha ela estendia a mão direita pra mim.
Enquanto a esquerda ia lá pra pititita dela.
Tudo acabava com o risinho abafado pela porta que batia com força.
Isso uma vez.
Isso duas três vezes.
Isso vinte vezes.
Olha.
Tô até suando de nervoso.
Em seis meses eu já tinha sonhos com ela.
Sonhava mas claro pensava nunca jamais tô fora.
Sabia do pecado.
É crime de polícia e cadeia né?
Num dia lá a menina tava doente.
Não levantava pra ir na escola.
Era bem quarta feira.
No dia em que não trabalho.
Fiquei de cuidar da menina.
Bem carente não conheceu o pai.
Um desses maloqueiros aí perdido no crack e coca.
A mãe a deixou no sofá.
Com os pés no meu colo.
E ligou a TV num programa lá.
Um beijo em cada um de nós.
Te amo Abílio paixão eterna minha vida meu suspiro!
Nem bem saiu a garota levantou saltitante.
Minha vida meu suspiro?
Deu uma reboladinha na minha frente.
De saia curta calcinha azul e blusinha branca.
Parou.
Desligou a TV.
Lambeu o controle bem devagar me encarando.
Jogou ele no tapete.
Vinte minutos pra encontrar as pilhas depois!
Agachou.
Ficou de joelho no chão.
Passando a mão na minha coxa.
Com as duas mãos abriu minha calça jeans.
Mais rápida do que a mãe.
Riu quando viu o tamanho da coisa.
Como é grande não dói?
Enquanto ia com a boca lá gemia gostoso e mandava:
Goza seu puto goza!
Na presença da mãe uma santa.
Minha pequena devassa do Jardim dos Pássaros.
Lábio molhadinho.
Língua geladinha.
Cabelos dourados.
Sorriso de anjo.
Ai aqueles pelinhos dos braços todos arrepiados.
Ai que falta me faz puxar aquele cabelo por trás.
Eu vou trazer ela aqui pra confessar que me ama.
A Igreja tá do meu lado?
Meu coração não suporta.
Vou pedir o casamento.
Se não der vou casar assim mesmo.
Assumo o filho que tá na barriga.
Mudo de cidade de país se necessário.
Tenho economias vou pro Paraguai.
Ou Argentina.
E se Deus não estiver de acordo e se Deus me abandonar por aqui.
Eu deixo a Igreja a hóstia as cerimônias a caridade.
Entrego minha alma de bandeja pro Diabo.
Mas não abandono o amor da minha vida.

domingo, 14 de março de 2010

Traidor

Aqui é o fim da linha.
Ninguém mais vai adiante.
Pelo menos que eu saiba não.
Isso é pra não fuder mulher de malandro.
Pra nunca nem olhar quando tiver passando na rua.
Nem na Praça da Catedral.
Cê deu muito azar mesmo.
Na frente de todo mundo?
Isso não ia ficar assim pra sempre né?
Não chora não bicho.
Cê tem família é?
Pior ainda.
Cê vai morrer como traidor.
Eu mesmo vou levar essas fotos aqui.
Vou mostrar essas no bar do Moacir.
Essa uma que ficou boa no Estância Gaúcha.
E com chave de ouro eu tiro essa aqui do motel.
Que fotos hem?
Que sua mulher vai achar?
Ninguém chorando no teu velório.
Só dois coveiros jogando terra no seu corpo.
Sem reza cê vai cruzar pro lado mais sombrio da vida.
Sozinho.
Agora diz aí vai.
Quantas vezes cê saiu com ela?
Se o cê me disser quem sabe não te deixo de boa?
Daí se vai pra casa só com esses roxo nas costa.
Só duas?
Fala alto.
Com essa fita na tua boca eu não escuto.
Baiano traz o fogo!
Vamo mutilar esse filho da puta agora mesmo.
Cê sabe o que é engraçado?
Que cê paga de machão.
Mas aqui não tô vendo nada.
O chefe mandou assim.
Primeiro as porradas.
Depois mutila ele.
Queima o mamilo a sola do pé menos o pau.
O pau coloca dentro aqui do vidro.
Tá vendo esse pacote da maionese?
É pra cá que vem o seu pau.
O mais divertido?
É que cê vai sentir seu pau sendo cortado.
Vai chorando enquanto pode.
Baiano que demora porra!
Vê se ta lá dentro da Kombi então.
Ela rebolava no seu pau?
Te pegava pra dançar no Estância Gaúcha só pra esfregar aquela bunda bem gostoso?
Te chupava bem?
Pode falar pra mim ela era uma puta né?
Dava pra ver de longe.
Aquela saia curtinha.
Unha sempre pintada de vermelho.
No salão de beleza toda semana.
Chupava bem afinal?
Deixava gozar na cara dentro da boca na bochecha?
E as bolas ela mandava bem?
Engolia com carinho?
Sorria quando metia seu pau goela abaixo?
Que demora Baiano.
Cê não quer responder nada é?
Mas eu vô te dar uma resposta.
Cê amava ela?
Ah amava?
Que bonito.
Olha só apaixonado:
O chefe resolveu que não vai matar ela não.
Ela vai ficar presa na chácara.
Tipo cárcere privado.
Acho que um mês todo sem bimbar com ninguém.
O pior castigo pra ela.
Luva fogo protetor tudo certo Baiano.
Só tem mais uma pergunta antes da gente começar:
Ela fez anal também?

Anúncio da desgraça

Avenida Cerro Azul.
Meia noite.
Voltando pra casa cansado depois de sair com os amigos.
Todos queriam ver meu novo carrão.
Quase três anos economizando.
Rebaixado neon DVD som no porta malas calota zerada.
Tinha deixado minha mina na casa dela do lado do cemitério.
Na Cerro Azul nunca tem puta.
Pelo menos nunca vi.
Ninguém ali anda de boa.
Não de noite.
É tenso.
Achei estranho quando vi a garota na calçada.
Se fosse noutro lugar eu não parava.
Mas quem acudiria se fosse algo sério?
Com tanto tarado nas ruas à toa?
Ela chorava como se tivesse morrido alguém.
Toda suja de maquiagem.
Vestido de noitada sabe?
Decotado curtinho bem caro.
Coisa de burguês.
Não sou virjão.
Um cão como eu sei farejar.
Aquilo tinha pedigri.
Encostei o carro sem desligar.
Sempre é preciso ficar esperto.
Baixei meio vidro e fiquei com um olho no retrovisor.
Perguntei o que tinha acontecido.
Ela se jogou na porta chorando ainda mais e disse que tinha brigado com o namorado.
Uma carona?
Eu já tava abrindo a porta.
Quem não faria isso?
Eu tinha só boas intenções.
Disse que morava perto da UEM.
Ainda tinha um pouco de gasolina.
Quase quinze litros.
Quando eu me preparava para abrir avistei o primeiro negão lá atrás.
O cara era grande tava sem camisa e tinha um bastão na mão.
Ele surgiu da esquina mesmo.
O bastão rodava no seu corpo.
Ia pro lado esquerdo.
Depois pro direito.
Do meu lado outro figura já vinha cruzando a Cerro Azul.
Um anão preto.
O mais assustador deles.
Sem nenhuma arma.
Mas vinha decidido ao meu encontro.
Talvez o chefe da gangue?
Pra fechar veio o outro.
Saído do terreno baldio quase cinquenta metros à minha frente.
Sorrindo alucinado.
Barbudão.
Obeso.
Gordo.
O pior sorriso que alguém te pode dar.
Todos os dentes brilhando:
O anúncio da tua desgraça.
Me dei conta que a puta já tava tentando abrir a porta por dentro.
Cê tá fudido mermão!
Deus eu pensei.
No desespero fui ligar o carro mas ele já tava ligado.
Dei um soco na piranha e mordi a mão dela.
O do bastão conseguiu acertar a minha traseira.
Acelerei como nunca.
Quase dá tempo pro anão também se jogar no carro.
Eu vou pro inferno com o cê desgraçado!
Não vai não!
Pisei no freio firme.
Ela não caía de jeito nenhum.
Ali no redondo lá embaixo mordi a mão dela pra valer até sangrar.
Só depois disso ela soltou.
E caiu na rua abraçando a mão.
Acelerei.
Que caralho.
Que caralho.
Quando terminei o redondo olhei pra trás.
O preto me apontava o bastão.
A puta chorava com a mão no peito.
E o anão me encarava de um jeito estranho.
Como se soubesse que nos encontraríamos em breve pelas ruas de Maringá.