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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Conversa com O Vampiro

Publicado no Correio Braziliense (11/1/2014)

Dalton Trevisan abre a porta de sua casa: uma fresta de apenas quinze centímetros. Espaço suficiente para um cachorrinho Basset desertar e correr três metros em direção ao portão de ferro que dá na calçada. Cautelosamente exposto, Dalton Trevisan espia pela fresta: protegido de qualquer fotógrafo espertalhão que aparecer, ali, em busca de um raro flagrante. Ele está vestindo alguma coisa azul, é só o que dá para perceber daqui, com a porta entreaberta. Mudo, Dalton Trevisan contempla a performance de seu guardião impávido e colossal, latindo bravamente na frente de um casal desconhecido. E nada não diz.

“Somos seus leitores.Viemos te dar um presente, Dalton”, eu explico, exibindo, na mão direita, um embrulho colorido.

O escritor permanece quieto, provavelmente pensando em como se livrar da visita inesperada. Se fosse um dia de semana, talvez ele indicasse a livraria do Chain, a poucos metros de sua residência. Deixaríamos o presente com uma das atendentes, e ele pegaria depois. Mas é domingo, seis horas da tarde. A livraria não está aberta e nem há pessoas nas ruas, com exceção de um ou outro curitibano perambulando na calçada e dos motoristas que cruzam, em alta velocidade, a esquina onde ele reside.

“Espere só um momento”, o escritor responde,finalmente. Em seguida, bate a porta da casa e desaparece lá para dentro, escoltado pelo fiel cachorrinho. Aconteça o que acontecer, a partir de agora, é preciso ter todo o cuidado do mundo: é o que tento dizer para a minha namorada, apertando forte a sua mão. Afinal, Dalton Trevisan está mal-humorado.

Quem dedurou o estado de humor do recluso contista curitibano foi uma atendente da livraria do Chain, local onde Dalton Trevisan troca mensagens com sua editora e, pelo menos até recentemente, autografava os livros deixados pelos seus leitores. Por isso mesmo, no sábado, passei pela livraria e entreguei sete obras à balconista. Para a minha surpresa, ela recusou a encomenda dos autógrafos.

“Olha, infelizmente, eu não posso ficar com os seus livros. O Dalton não está assinando mais nada”, avisou. Segundo a funcionária, há poucos dias apareceu um leitor e comprou todos os livros disponíveis do contista curitibano. Aproveitando a visita, o cliente pediu que as atendentes coletassem a assinatura do escritor em todas as obras adquiridas.

“Quando o Dalton veio, não assinou nenhum dos livros e disse que não iria mais autografar nada. Ele está de mau humor. Daqui a uns dias, ele volta ao normal”, contou.

Tentar um encontro com o Vampiro de Curitiba, ali na livraria, não é a estratégia mais aconselhada, a menos que o leitor tenha tempo de sobra.“Ele vem quase todos os dias, mas sempre em horários diferentes. Às vezes, às 9h, às 11h, à tarde. Nunca dá para saber”.

Oscilações de humor


Aos 88 anos, Dalton Trevisan continua misterioso. Dos jornalistas e fotógrafos mantém uma distância quase paranoica: aperta o passo, em fuga, quando é abordado para entrevistas. Ignora os eventos literários, não comparece às homenagens que lhe são prestadas, nunca deu as caras para receber os prêmios acumulados em sua trajetória. Quieto, cultiva um ritmo de produção assustador. Desde a estreia com “Novelas Nada Exemplares” (1959), ele já publicou mais de quarenta obras. Só no ano passado foram duas: “Novos Contos Eróticos” (Record) e “Até Você,Capitu?”(L&PM Pocket).

Mesmo com o alerta da vendedora, de que Dalton Trevisan não está em seu melhor humor, resolvo insistir na aproximação. E passo um sábado inteiro, em vão, na porta da casa do escritor, esperando que ele saia para seus passeios diários.

A casa de esquina, onde mora Dalton Trevisan, é grande e antiga, com muros altos e cinzentos. Há um ar macabro naquela residência. Três janelões, na frente da casa, dão para a rua Ubaldino do Amaral, mas estão sempre fechados e protegidos por cortinas. Lá de dentro não se escuta som algum: é tudo estranhamente silencioso demais. Há um sótão sinistro, com vista para a frente da residência, e um puxadinho, no fundo, onde Dalton Trevisan passa as manhãs escrevendo. Ele escreve diariamente e, em seguida, sai flanando pelas ruas do centro de Curitiba. Nas longas caminhadas, aproveita para coletar gírias e observar os bêbados, malditos, maltrapilhos, prostitutas e viciados, que, depois, serão retratados em seus contos.

Mas Dalton Trevisan não é o único observador em Curitiba. Quem passa pela casa do escritor sempre dá uma espiada lá para dentro. Jovens trepam nos grandes muros cinzentos. Namorados erguem suas companheiras na calçada, próximo ao muro. Senhores e senhoras interrompem a caminhada e, por alguns segundos, contemplam o quintal e o bosque pelo portão de ferro. Todas as tentativas são frustradas. E os curiosos sempre saem rindo da missão malfadada.

Naquele sábado, Dalton Trevisan permaneceu trancafiado em sua reclusão. No dia seguinte, com a fé no calor do domingo curitibano, aguardo o contista sair para o almoço, a partir das onze horas da manhã. E nada. Ele deve ter almoçado alguma coisa em casa.

Os curiosos continuam se pendurando nos muros, sem vestígios do contista. E já prevendo o fracasso da aproximação com Dalton Trevisan, um final de semana desperdiçado em vão, resolvo chamá-lo à porta.Toda a paciência tem limites. São seis horas da tarde. Se ele não saiu até agora, num bendito domingo de Sol, não sairá mais. O portão é tudo o que resta. Um minuto de palmas.

Estridentes, fazem eco na entrada da casa. Anunciado três vezes ao portão, o primeiro nome do Vampiro de Curitiba. Como previsto, sem resposta alguma. Então, vem o cachorro. A fresta de quinze centímetros. Dalton Trevisan vestindo algo azul. Menciono o presente. E ele pede que esperemos.

Roupão azul

Tomo um susto danado quando Dalton Trevisan, quem diria, abre um dos janelões de quase três metros de altura, que dão para a rua Ubaldino do Amaral, logo ao nosso lado.
Saímos do portão de entrada e vamos à janela: Dalton Trevisan está na nossa frente, totalmente exposto, exibindo um sorriso gentil.

“A que devo estes presentes?”, pergunta, com a voz grave e amistosa.

Dalton Trevisan está vestindo um roupão azul. Seu cabelo, úmido, está cuidadosamente penteado para trás. Ele deve ter saído do banho há poucos minutos.

“Você gosta de goiabada cascão?”, e já vou estendendo o embrulho colorido.

“E quem não gosta?”, responde, aceitando o presente, sem economizar no sorriso.

“Tem ainda algumas gomas árabes, rahat. Espero que você goste. Poderia assinar os nossos livros?”, indago, entregando um exemplar de sua última obra,“Novos Contos Eróticos”.

Dalton Trevisan pega o livro e sai um pouco da janela. Lá dentro, numa antiga mesa de madeira, ele apoia a obra e assina seu nome, rapidamente, sem dedicatória.

Ao entregar o livro autografado, Dalton Trevisan estende à janela dois exemplares de suas obras:“35 Noites de Paixão” e “Até Você, Capitu?”

“Estes são para vocês”, ele avisa.

Em seguida, minha namorada pede uma assinatura na obra que acaba de ganhar de presente. Dalton Trevisan está tirando o plástico do livro quando uma voz esganiçada chega por trás de nós, quase berrando:

“Ai, posso tirar uma foto?”

Maldito celular

Num pulo, Dalton Trevisan se esconde atrás da cortina. É inacreditável. Depois de tanto tempo à espera, uma infeliz curitibana cinquentona, caminhando com roupa de ginástica, põe todo o encontro em xeque, apontando um maldito celular para o rosto do Vampiro. Viro-me rapidamente para a desconhecida. Não, não, sem fotos, sem fotos, eu digo, quase gritando, enquanto ela pede desculpas e sai de cena, caminhando rápido, nem um pouco constrangida.

Escondido atrás da janela, Dalton Trevisan faz um sinal com a mão direita e pergunta se ela foi embora. Nós o tranquilizamos. Respondemos que sim, ela já foi. Está tudo bem, pode voltar. Dalton Trevisan dá uma espiada pela fresta da janela e surge novamente, estendendo o livro assinado à minha namorada. O susto já passou. Ele realmente parece aliviado.

“Dalton, existe lirismo na sua literatura?”, questiono.

“Basta abrir o livro e você vai ver”, responde, com um sorriso generoso.

“E qual sua opinião sobre esses críticos literários que, desde a década de sessenta, insistem em dizer que você continua se repetindo?”

“Eu não leio os críticos”, diz, rapidamente, sem abrir mão do sorrisão camarada.

O escritor olha em nossos olhos. Um casal embasbacado, feliz da vida pela façanha dominical. É tudo muito inesperado: Dalton Trevisan, de cabelo molhadão e de roupão azul, sorrindo na janela, atendendo seus leitores. Mau humor ali? Jamais.

“Agora, eu já falei demais. Obrigado pelos presentes. Tchau para vocês”, despede-se o Vampirão, fechando a janela.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Eu, Ariádiny e João Gilberto

Sou homem de poucos amigos. Feio. Perdi o humor. Me dou bem com algumas mulheres. Não faltam camas para me acolher na madrugada. Não gosto de cachorros nem de gatos. Meu vizinho, homossexual não assumido, largou o emprego para cantar sertanejo universitário em Maringá - não há uma única manhã de paz com esse desgraçado cantando na minha janela.

Tenho 30 anos. Perdi o enterro do meu pai – na verdade, fiz questão de não ir. Quando tento pensar em minha mãe, a imagem que me vem à mente é a de Ariádiny. Acho que é por isso que até hoje não consigo parar de pensar em Ariádiny, no sorriso de Ariádiny, nela recitando Augusto dos Anjos enquanto encosto a cabeça em seu colo e peço a Deus arranque, por favor, meu último segundo de vida ali, deitado, em silêncio.

Estou bebendo cada vez mais. Democrático, Divina Dose, Bar Sem Nome, Salero, estou em todos eles, devendo em todos eles – às vezes Ariádiny está comigo.

Quando ela não está comigo, sinto que algo está errado. Maneta sem Ariádiny, daquele cabelo delicado, daquele humor à queima-roupa que só ela sabe disparar na mesa do bar, daquela vontade de estender as mãos, o peito, de silenciar o trânsito para ouvir Ariádiny.

Quem sabe viajar para Curitiba e ver Chico Buarque com Ariádiny? Tenho pena de quem nunca ouviu a gargalhada de Ariádiny. Estou escrevendo um romance inédito sobre ela. Que ninguém vai ler.

As pessoas gostam do que escrevo. Publiquei meia dúzia de livros, ganhei três Jabutis, e parei de escrever. Não permito ser fotografado, nunca concedi entrevistas, não compareci nos eventos literários em que fui homenageado. Ninguém sabe onde moro.

Às vezes, sou reconhecido em alguma mesa de bar. Culpa de um maldito da Folha de S. Paulo, que há dois anos publicou uma matéria com uma foto minha caminhando pelo centro da cidade. Parei de ler. A literatura engana, sufoca, enlouquece. A literatura não comove tanto quanto o sorriso de Ariádiny.

Estou com ingressos comprados para o show do João Gilberto. Estaremos na quarta fileira, poltronas A6 e A7, em São Paulo, no gargarejo. Eu, Ariádiny e João Gilberto. É quando vou dizer. Vou dizer tudo de uma vez.

Sem pausa, quase gritando para ela entender que isso é sério, para ela decorar como tudo mudou. Não é loucura minha vida, isso precisa sair daqui de dentro das entranhas. Mas se João Gilberto cancelar o show, eu juro que frito o esôfago de João Gilberto numa churrasqueira portátil no meio da Avenida Brasil num sábado talvez por volta das 18h.

Sei onde ele mora (no Leblon General Urquiza, a uma quadra da praia). Então se esperte, meu velho! Atrase quanto quiser mas toque cante volte para o bis e salve minha vida e minha noite com Ariádiny.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Entende?

Se eu disser a verdade
Tudo isso aqui é verdade
Você ficaria puta comigo?
De verdade mesmo?
Te afastaria para sempre
-ou pelo contrário
Mais próxima ainda debaixo da pele
Sem ter descanso nem como extirpar
É daqui desse silêncio
Dos porres
Não suporto suas ressacas
(você sempre diz)
Das noites
Que afogam o tédio
E dão vida
É esse cheiro
(que seu olfato ignora)
Dói o arrependimento não vivido
Sóbrio no retorno para casa
(não falta alguma coisa?)
No último verbo mais um conhaque
Bob Dylan com Stones
Que tal um baseado?
-por que não?
Porque basta porra
(você sempre diz)
As melhores coisas da vida
(respondo)
Fiz quando estava bêbado
As piores coisas da vida
Fiz quando estava bêbado
Até o momento
(uma pausa)
As melhores coisas da vida
Sem dúvida
Valeram todas as cachaças ainda não bebidas
Valeu acordar de porre no meio da rua no sábado de manhã
Caçar brigas com escrotos em repúblicas
(e não foi divertido?)
Ver seu próprio pau morto na cama sim
(isso me dá raiva)
-das mulheres que o Presidente me abateu
(Camila Angélica Sara e outra que não lembro o nome)
Então
Agora
De ressaca
Estou na sua frente
Você sente esse grito às dez da noite?
Como dizer?
Meu Deus
Entende?
Sou apenas eu

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Jessica

Aquilo que confunde o verbo
Desnorteia o raciocínio
Minha religião sem um Deus
Aquilo que mata
Cala
Enterra
Afoga
E dá vida
O assombro na mesa do Divina Dose
Nó de apertar forte o esôfago e doer
Seu silêncio não convence
Pede algazarra
Pede refrãos de Chico Buarque
Na maratona de porres pela madrugada
Sofro nas suas mãos
Gozo na sua boca
E morro nos seus braços

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Por quê?

Doce às vezes caramelo com hortelã
Do amargo do tomate seco uma lembrança
Menos acentuada que o azedo do maracujá doce
Se passo a língua
- e não é o mistério a preliminar favorita?
Nunca sei o que encontrar
Muda de dia com o humor
Triste tão singelo calado
Alegre meio amarelo
Na semana sente minha falta
Sem quem regue com carinho
Primeiro a língua caminha apreensiva
Pequenos círculos
Lenta sente na ponta quando treme
Desbravando molha com força
Tira e enfia
Te pega no susto encharca de desejo
Você pede
Mete!
Mas não
Ainda não
De costas te viro puxo o cabelo
Uma ou outra sacanagem
(antes meu amor)
Mão cheia um tapa ardido na sua bunda
De quatro
-mando
Você me recebe quente
Arrepia a coxa afogada em suspiros
Seus pelos
Não sabia que tão bom
-você grita
O salgado da cachaça
Esse cheiro de amora no café fresco
Por isso Luana gosto tanto de lamber seu cu

domingo, 2 de outubro de 2011

Borboletas cavalos

Nojo deles tenho sim
Sujos da sujeira da alma
Sabe?
Borboletando de asinhas loucas
Em cada esquina de Maringá
Atrevidos não é que mandam beijos piscadinhas
-enquanto os dedos apertam os seios?
Pra quem reclamar?
IBAMA?
ONU?
Obama?
U.S.A.?
Cavalos de quase dois metros
Metidos em decotes
Metidos em vestidos
Na voz a última lembrança de um machão distante
Meio assim estridente
Fanhosa
Negando a natureza
Nojo deles tenho sim
Que não é na sua loja da avenida Brasil
Todo dia provando salto alto sandália
-bem na hora de fechar
Aquela coisa
Que se esconde de vergonha
Se não tem dinheiro pra tirar
Nunca toquei num dedo de pé jamais daquilo
Aberração
Cuspo no banheiro a saliva sem um volte sempre
Comemoro quando escuto no Pinga Fogo
Quem corta na madrugada as loucas asinhas das borboletas
Com barra de ferro extintor de incêndio ou martelo
No mínimo um mês de repouso no hospital
Sem voltar pra loja e provar salto alto sandália

Crítica da Semana Literária do Sesc de Maringá

Quando o Sesc divulgou a programação da Semana Literária, em junho deste ano, surpreendeu os amantes de literatura em Maringá.

Sete dias intensos com direito a Milton Hatoum, o maior romancista brasileiro vivo, além de mesas com Fabrício Carpinejar, Alice Ruiz e Affonso Romano de Sant’Anna. Baixa, apenas uma: o gaúcho João Gilberto Noll, autor de "Hotel Atlântico", cancelou sua participação na Semana por motivos pessoais.

O público não decepcionou. Marcou presença nas conversas com os autores, que duraram em média 2h. No encontro de Carpinejar com Alice Ruiz, o público se engalfinhou para ouvir a conversa . Mais de duzentas pessoas sentadas - algumas em pé -, davam a ideia de que, talvez, seja a hora de buscar um espaço maior para os próximos debates literários.

Cada mesa redonda contou com um mediador diferente. Isso enriqueceu as conversas. Em diversos momentos, os diálogos foram produtivos. Hatoum, por exemplo, reconheceu a ausência de humor em suas obras, como "Dois Irmãos" e "Cinzas do Norte". "Acho que é porque escrevo meus romances explorando a memória. Não há humor nos meus livros", disse. O escritor respondeu sobre a relação entre literatura e política em sua obra, falou sobre seu fazer literário, anunciou romance inédito, "O Lugar mais Sombrio", e disparou: "Não tenho medo do fracasso".

Quem imaginava um autor sisudo, surpreendeu-se com o bom humor. Criticou o lixo musical norte-americano. "Não dá mais para ouvir boas músicas no rádio". "Lady quem?", respondeu o autor a uma pergunta sobre aquela cantora que se veste de bife.
Nas conversas de Affonso Romano de Sant’Anna, Fabrício Carpinejar e Alice Ruiz, o papo firme rendeu bons momentos, também, com direito a bom humor. Carpinejar, como sempre, metralhou o diálogo com pequenas sutilezas poéticas, paridas ali mesmo, na conversa. E Alice Ruiz, que fica incomodada em responder sobre o seu Paulo Leminski, teve de trazê-lo à tona, indagada por seus leitores.
Tudo acabava na mesa do bar. Público, novos e consagrados escritores em meio a tilápias, cervejas, cachaças e vinhos: a literatura é mais visceral - ou líquida? - na mesa do bar. As perguntas, que haviam sido evitadas em público, ganham respostas inesperadas. E fica, ali, combinado um próximo encontro para o ano que vem.
Ao contrário do ano passado, a Semana Literária do Sesc focou no público adulto, incluiu novos escritores na programação e acertou em cheio: praticamente cinco dias perfeitos.
No entanto, algumas coisas ainda estavam desencontradas. A palestra "Marketing Emocional e a Relação de Consumo", ministrada pela escritora Ivana Martins, soava como uma nota errada num recital de piano: literatura para escanteio.
Altos e baixos
No lançamento do jornalista Wilame Prado, o público deu o ar da graça: mais de cem pessoas e sessenta livros vendidos. Uma marca excelente para um autor estreante.
Para o próximo ano, o Sesc tem a missão de fazer uma Semana ainda mais intensa. Entre os autores brasileiros, bem que poderiam convocar o imortal João Ubaldo Ribeiro, autor de "Sargento Getúlio" e "Viva o Povo Brasileiro". Seria tão antológico como foi receber o amazonense Milton Hatoum. Chama que ele vem.
Outro nome que vem fácil, e acrescentaria ao debate literário, é o quadrinista Lourenço Mutarelli, responsável pelo "O Cheiro do Ralo".
Sérgio Sant’Anna, Marcelo Mirisola, Glauco Mattoso, Alberto Martins, José Eduardo Agualusa e Noll também podem compor uma lista competente.
Matéria publicada no Diário em 20/09/2011, intitulada "Uma Semana Magnética".

Entrevista - Milton Hatoum

"Sou viúva, meu filho mais velho mora em São Paulo, os outros em Maringá. Se eu pudesse, também moraria em São Paulo. Porque gosto muito de dançar. Em Maringá é mais difícil. Não sabe como é uma cidade pequena? Vão me chamar de velha sirigaita, ou de viúva assanhada", escreveu Milton Hatoum, numa deliciosa crônica, publicada no Estado de S. Paulo: lá está Maringá, imortalizada na obra do maior romancista brasileiro vivo.
Aos 59 anos, o amazonense Milton Hatoum chega a Maringá, nesta quarta-feira, na Semana Literária do Sesc, com uma trajetória literária, que é, ao mesmo tempo, gigante e concisa. São apenas quatro romances publicados, "Relato de Um Certo Oriente" (1989), "Dois Irmãos" (2000), "Cinzas do Norte" (2005), "Órfãos do Eldorado" (2008), além de "Cidade Ilhada" (2009), primeira compilação de seus contos.
Dos romances, os três primeiros arrebataram um Jabuti. "Cinzas do Norte" fez a limpa e foi contemplado, também, com os prêmios Bravo!, APCA e Portugal Telecom: não deu para mais ninguém.
Autor tardio, Hatoum publicou "Relato" apenas aos 37 anos. Quando olha para trás, ele não se arrepende nem um pouco de ter demorado tanto para dar seu pontapé inicial na literatura.
"O romance é a arte da paciência. Não me arrependo de não ter publicado um texto antes do ‘Relato’. Seria apenas um ato de vaidade, inconsequente e fútil como todo gesto excessivamente vaidoso", comenta, em entrevista concedida por e-mail.
Suas histórias, vertidas para dez idiomas e publicadas em catorze países, trazem uma prosa poética delicada, com uma verve própria arrebatadora. Embora mitifique Manaus na maioria de suas histórias, Milton Hatoum rechaça veementemente o rótulo de escritor regionalista.
"A cidade de Manaus, a paisagem do rio Negro e certas particularidades regionais têm um papel importante e até decisivo na caracterização dos personagens. Mas isso nada tem a ver com o regionalismo", desconversa.Prestes a lançar um novo livro, com o título provisório de "O Lugar mais Sombrio", o autor quer mesmo encerrar esse papo regionalista.
Desta vez, seu romance será ambientado na Paris do final da década de 1970. "É um livro sobre exílio e paixão em Paris", adiantou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Ao Diário, Hatoum fala sobre seu fazer literário, seu estilo próprio e aconselha: "Aprender a escrever reside na prática da escrita, na assimilação do que já foi escrito".
Você escreve pelo prazer de escrever?
O desejo de escrever é uma espécie de comoção, de arrebatamento. Esse desejo está intimamente relacionado com a descoberta de um mundo inventado, que é o vetor da prosa de ficção. Há momentos de intuição, ou inspiração, que são compartilhados com a reflexão sobre o ato de escrever. Essa combinação permanece ao longo da narrativa, depois corrijo e reescrevo o texto várias vezes, até a exaustão.
Como se chega à técnica do romance?
A leitura de bons romance antecede a escrita. Escrever significa, antes de mais nada, saber ler. Os grandes romances nos ensinam a lidar com estratégias narrativas que envolvem questões técnicas e fundamentos teóricos sobre a arte da ficção. No ‘Grande Sertão: Veredas’, o narrador Riobaldo diz algo assim: ‘Aprender a viver é que é o viver mesmo’. De um modo análogo, aprender a escrever reside na prática da escrita, na assimilação do que já foi escrito.
Quando se deu conta de que tinha uma voz própria?
Você encontra sua própria voz quando descobre o texto que está escrevendo. Cada romance é uma forma de aprendizagem e de desafio. A voz própria tem muito a ver com a experiência do narrador, que, de algum modo, expressa a inquietação do escritor. Quando comecei a escrever o ‘Relato de um certo Oriente’, percebi que podia inventar um microcosmo, com situações e conflitos que seriam dramatizados por personagens. O mais difícil é encontrar a voz e o tom do narrador, que é uma questão central na prosa de ficção.
Você demorou para publicar seu primeiro romance. Esse tempo foi essencial ou você se arrepende: deveria ter lançado um romance mais cedo?
Demorei porque tudo o que tinha escrito antes do ‘Relato’ era superficial, mal cabia numa crônica. A escrita depende da experiência de vida e de leitura, que são inseparáveis. E há também o tempo de espera, o tempo que filtra essa experiência e dá ânimo aos narradores. O romance é a arte da paciência, da sedimentação de uma longa reflexão sobre questões que nos inquietam. Não me arrependo de não ter publicado um texto antes do ‘Relato’. Seria apenas um ato de vaidade, inconsequente e fútil como todo gesto excessivamente vaidoso. Por isso demorei a escrever o ‘Dois Irmãos’, que é meu romance lido e conhecido. A mesma coisa aconteceu com o ‘Cinzas do Norte’, publicado em 2005, mas cujo esboço data de 1980, quando eu morava na Espanha.
Você sempre renega o rótulo de escritor regionalista. Mas, na sua literatura, você não identifica nada de regionalismo?
Há dezenas de dissertações, teses e ensaios sobre o meu trabalho, mas os poucos que abordam esse tema, expandem o conceito de regionalismo e preferem tratar da relação entre o local e o universal. Ou seja, a partir de uma situação local ou regional, a ficção alcança uma dimensão universal. Meus romances são ambientados na cidade de Manaus, que é quase uma personagem do ‘Dois Irmãos’. Alguns contos de ‘A Cidade Ilhada’ são ambientados em Barcelona, Paris e na California. Mas para um resenhista apressado ou de olhar turvo, um romance ambientado na Amazônia é rotulado de regionalista. Algo do Amazonas está latente nos meus romances, mas o que eles abordam são dramas e conflitos familiares, trajetórias de vida e destinos de personagens. Eu não poderia abstrair Manaus dessas narrativas, pois nasci e passei a infância e uma parte da juventude lá. Acredito que a cidade de Manaus, a paisagem do rio Negro e certas particularidades regionais têm um papel importante e até decisivo na caracterização dos personagens. Mas isso nada tem a ver com o regionalismo ou com o pitoresco, e sim com a composição do romance.
Entrevista publicada no Diário em 13/09/2011.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Infiel

Gosto de comer mulheres. Muito. Desde que minha ex - que fodia mal e tinha uma bunda mole - me meteu um pé na bunda, há uns meses atrás, não tenho do que me queixar. Maringá acolheu um órfão de braços – e pernas – abertos. Amém. Um notívago como eu, míope, exilado de academias, é a prova de que qualquer sujeito escroto pode comer bem nessa cidade.

Quando Caio me ligou no domingo passado, dizendo ter recebido um fora da namorada de quatro anos, tentei acalmá-lo. Caio, vamos pro bar. Vamos nessa, tenho que te contar daquela morena – uma estudante de educação física da UEM que eu havia conhecido e fudido na semana passada.

Chegamos no Democrático, na Zona Sete. Gosto de lá porque toca rock, AC/DC, Metallica, e o litrão é barato. Chegamos sozinhos. Na mesa da esquerda, duas morenas e uma loira bebiam Brahma: uma mesa de futuro.

Para você saber seu efeito sobre as mulheres de Maringá, basta notar os pés debaixo da mesa de plástico. Se começarem a bater logo após você sentar, meu amigo, sua noite está garantida. Notei que uma das garotas tinha um pescoço esbelto, que me lembrou os quadros de Modigliani – além de seios, coxas e decote. Mas eu não cheguei com essa cantada por dois motivos óbvios.

Se ela fosse inteligente – característica extremamente rara em mulheres maringaenses -, talvez ficasse ofendida. Você, me chamando de pescoçuda? Talvez. Mas, como essa garota certamente tinha um nível de estupidez considerável, não seria agradável chegar citando Modigliani. Ninguém quer ser um alienígena munido de pintores numa mesa de bar.

Por isso cheguei na mesa, sentei e disse algo sobre seu pescoço. Como é lindo o seu pescoço. Ela me olhou, assustada. Sei que ninguém nunca elogiou o seu pescoço. No máximo, continuei, você sabe que arrepia e esquenta na língua ou na barba mal feita, algum ex, atual, algum noivo, você não é casada e têm filhos?

Não tenho certeza. Faz tempo que parei de olhar aliança. Já me dei bem com uma casada, e não abordaria a mesa em que ela estava sentada, nem teria fodido ela atrás do Senac, numa rua deserta, se soubesse do seu comprometimento – mas isso eu não falei para a Modigliani.

Na verdade, ela gostou de ter, pela primeira vez na vida, seu pescoço elogiado por um estranho num bar de rock. E logo chamou o Caio para conversar na mesa também - afinal, o que fazer com as outras duas garotas?

O problema é que Caio não fala. Quieto, olha, acompanha, ri e, quando quer, dá o bote, astuto. Caio fala com silêncios. Perguntei, em seguida, no terceiro diálogo da noite, há quanto tempo ela não fudia.

Vermelha, rindo alto, loucamente, bateu os braços na mesa, apoiando os dois cotovelos: taí a resposta, há seis meses, eu disse. Ela ficou ainda mais vermelha, respondeu que era a coisa mais inconveniente que alguém já havia perguntado. Cortei aquela baboseira toda, perguntei se de quatro ou de lado. Ela me encarou. De quatro, claro. As amigas, que até então estavam em silêncio, também disseram suas posições favoritas. E abriram o jogo: Modigliani namorando sério há um ano e meio, e não via seu amado, que infelizmente mora em São Paulo, há cerca de seis meses. Em três perguntas, totalmente exposta.

Ficamos mais meia hora no bar. Fomos para o apartamento da morena – não lembro o nome -, na rua ao lado do Democrático. Caio pegou a garota, logo tocou para o quarto. Eu fui para a cozinha, preparei uma caipirinha, como quem não quer foder, como quem ignora o sexo: foi o bastante para ela ficar puta. Mulher, meu amigo, é extremamente competitiva. Me empurrou para o quarto, arranhou minhas costas, esqueceu de fechar a porta, deu de quatro, de lado, de quatro novamente, deu em pé, apoiada na cômoda, gritou com a janela aberta, gritou me fode, seu animal, me fode, seu escroto, nossa, meu Deus, nunca senti isso antes, que tesão, e eu já estava satisfeito.

Para encerrar o primeiro tempo, ela ainda me puxou, no momento em que eu ia gozar, e gritou dentro não! Goza aqui, na minha boca, seu canalha. Não é assim que o seu amigo te chama, canalha? Gozei primeiro em seu olho. Depois na testa. Em seguida no queixo, gozei nos lábios e no nariz dela. Pegando no meu pau, vencido na batalha dos justos, passou no rosto inteiro, batendo aos poucos, feliz, no sorriso aberto. Nunca fiz isso, ela me disse. Acho que te amo, Alexandre. Segurei a risada, claro. Ela foi para o banho, voltou de toalha, fudemos novamente, ela tomou banho, e dormiu.

Deixei o apartamento no meio da noite - nunca durmo com uma mulher na primeira noite. Antes, notei a foto do corno da Modigliani, pregado na parede do quarto num desses corações que servem de portarretrato. Um corno exemplar. De camiseta xadrez e bermuda. Um desses bombadões de academia. Deve ser publicitário.

Modigliani acordou solitária. Talvez, vá se masturbar durante algumas semanas lembrando a noite passada em que deu para um estranho fascinado em seu pescoço. Talvez ligue para o bombadão só à noite, não no almoço, como sempre faz, dizendo te amo, meu amor, sinto sua falta, me guardando só para você, aliás, quando você vem me visitar, hem? Maringá, túmulo dos infiéis.

sábado, 24 de setembro de 2011

Democrático

Se você pode pegar essa cadeira?
(sorrindo de corpete salto alto saia)
-quinta-feira quase meia-noite
Se você quiser a minha vida ela é sua
(sorrindo bêbado jeans camiseta)
-ala não fumante Democrático
Se você quiser o meu pau ele é seu
Enfia o meu pau na sua goela
Boca nariz ouvido
Mete meu pau dentro do seu umbigo
Entre os dedos dos pés esfrega a frieira
Nos seus olhos mamilos sobrancelhas
Por todo o sol tatuado nas costas
Primeiro no sofá da quitinete
Lambuzando sua barriga perna pescoço
Depois no quarto inquieto da Zona Sete
Duro no queixo testa joelho
Enquanto te rasgo aos poucos
A saia as entranhas o corpete
Bochecha sedenta me arranha
Alto grita goza

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Mais triste que um pombo

O escritor vive de migalhas
Ciscando espantos em ruas tumultuadas
Feito um pombo da praça Rocha Pombo

Entre putas pés vendedores de vassouras
-Olha a vassoura e alho!
O escritor se aventura
Exposto
Busca refúgio em pânico
Às vezes teme ser pisoteado
Atropelado quem sabe por um ciclista?
Na cabeça tomar a pedrada certeira da criança?

O escritor vive de migalhas alheias
Alheio ao que não constrange nem perturba
Um pouco só
Mais triste que um pombo da praça Rocha Pombo

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Etapas

Chico Buarque, Modigliani, Woody Allen:
Convidar Fernanda uma segunda vez para beber cervejas no Tribos

Chico Buarque, Modigliani, Woody Allen,
Hatoum, Kafka, Tezza:
Convidar Fernanda uma terceira vez para beber cervejas no Tribos
(notar se ela tem o “silêncio que precede as emboscadas”, que tanto falou Agualusa)

Chico Buarque, Modigliani, Woody Allen,
Hatoum, Kafka, Tezza,
Josué Demarche, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan:
Intimar Fernanda para cantar Lou Reed noite adentro
-e encontrar qualquer defeito em Fernanda
O jeito como pronuncia a letra r
Sua voz impostada nas notas agudas
Não poderia ser mais macio o sorriso de Fernanda?
(Fernanda tem cara de quem come jornalistas no café da manhã)
Se no luau não encontrar nenhum defeito em Fernanda
Evitar na madrugada sem sono escrever um poema para Fernanda
Escondê-lo se já escrito
-e jamais
Em hipótese alguma mostrar os versos para Fernanda

Chico Buarque, Modigliani, Woody Allen,
Hatoum, Kafka, Tezza,
Josué Demarche, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan
Bergman, Elomar, Arvo Part:
Controlar o desespero e a ansiedade
Quem sabe talvez enviar o poema para Fernanda
Abrir uma conta conjugal na segunda-feira
E nunca mais perder Fernanda de vista

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Tobias dos Santos Santos

Covardes
Sinto
-ah se sinto
O calafrio no pé da nuca?
Não sou idiota
Não eu
Eu?
HAHAHA
-idiota nunca não
Sei que tão querendo me matar
No começo até ficava assustado
Com um tempo de polícia nascem culhões que ninguém prevê onde
Deixa só
Como se nada
De noite quem teme é meu salmo bíblico em corpo humano
Cada dia novo susto agarrada em mim
Preocupada mais com a minha morte
Que com a minha vida
Depois do café ela tão meiga
Passa a manteiga beija me benze
Deus na minha testa pelo indicador macio dela
Que o nosso Senhor esteja sempre
Tudo naquela voz desconcerta
Regressam os homens à Igreja
Desistem das guerras e mortes
Em silêncio o teu lado ruim desaparece
Pra onde?
Covardes
Ninguém faz isso à minha cotovia
Carta de ameaça com sangue de galinha?
Azar o deles porque com ela longe de mim
No Borba Gato na casa dos pais
Já tô ouvindo aqui de novo ó
Como eles gritam
Sempre desse lado tá vendo?
HAHAHA
Minha mão Gordão me controla
Se fico dois meses sem dar pipoco em malandro
Tremendo não para quieta
Nunca tomei gota de álcool
Cigarro faz mal pra saúde
Maconha tô fora
Meu único vício
-só falar nisso olha que delícia eles ficam loucos gritando
Mexeram com o infeliz errado
Meu único vício
-e não é gostoso escutar o coral agudo de anjos desconhecidos dentro de você?
Gosto de primeiro quebrar as unhas
Rir a deformação da coragem
Rir dos gritinhos de perdão me deixa ir por favor me deixa vivo
Dá uma coisa boa
Dizer na cara deles é o Magrela
Enquanto se debatem apavorados rangendo dentes
É o capitão Tobias dos Santos Santos
Que o inferno seja tua morada
Ser o último segundo de um filho da puta agonizando
Ó como treme a mão Gordão

terça-feira, 5 de julho de 2011

Mediterrâneo

Na mesa desse restaurante
Tento não entediá-la demais entre
Entradas
Paella
E um Ramón Roqueta branco

Só para ler o silêncio em seu rosto
Busco no baú alguma coisa engraçada
-mas esqueço que há muito tempo deixei de ser engraçado

Falo do Bergman?
Lembro o murro que tomei bêbado num bar recentemente?
Menciono as experiências com heroína na faculdade?
Que traía minha ex-namorada com putas antes de encontrá-la?
Ou prometo um soneto um conto uma caricatura para ela?

Ela fala do cachorro que cava buracos imaginários pela casa
Fala do ex-namorado ciumento paranóico
Fala da mãe com saudades
-não sou filha ausente
Fala de um filme estoniano que me deixou curioso
Diz que vai parar de falar quando vier a paella
-não consigo falar e comer me desculpa?

O frio é covarde
Hesitamos em fumar lá fora
Aceso aqui dentro
Um cigarro queima o meu estômago e esôfago
Quero desembarcar nela
Se ela não perturbar minha solidão

sábado, 25 de junho de 2011

Todos os poemas para Lighia

Lighia me conquistou recitando Baudelaire no original
-nunca gostei dessas atrizes que recitam poemas e choram e interpretam em dramas demais
Mas Lighia recitando no bar entre uma cerveja e outra
-não entendo coisa alguma de francês
Falava do seu pai poeta
-sem citar os versos dele
Da primeira aula de violão com o professor ensinando Paralamas
-embora ela quisesse mesmo era aprender Baden Powell

Quando notei ao meu lado a intensidade de Lighia
-antes do bar num concerto sentindo os acordes do Manuel de Falla
Alma absorta no duo de violões
-eu absorto na sua tristeza
Decidi a partir de hoje escrever todos os poemas para Lighia

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Em você perdido

Não sei responder assim
De veio como quando
De onde surgiu
Aquela vontade de te
Assustou e te parei
No meio do bar tão
Em você perdido
Com o copo na mão
-primeiro a cerveja
Depois o vinho
Bêbado catatônico
Tro-
pe-
çan-
do
Em palavras vomitando
Frases um trecho desordenado da
Divina Comédia
Que você pediu e gostou Alexandre
Me repete essas palavras
Com prazer
Seria capaz de sabia passar uma vida
Na sua frente
Repetindo o mesmo trecho
Da Divina Comédia
Lendo cervejas
Bebendo Dante
Enquanto você fuma um baseado e suave acaricia
Seu cachorro Ringo debaixo de um pôster
Dos Beatles
Num momento estranho
Voltei a viver
-e gostei disso

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Pra Noêmia

Louca de pernas abertas
Bem molhadinha ele me deixou
Começava assim Marta me chamando pelo nome:
Noêmia
Fui despedido e caí na vida
Precisando comprar leite pão pros dois filhos
De costa com a família sem um centavo pra dívida
Enterrado pra sempre na miséria e azar?
Pensei que sim
Deus tinha então me abandonado
Ah cotovia no terror é tão triste lembrar o dia feliz
Na Vila Operária não me olhavam mais
O alvo favorito das mentiras do Tatá
Dedão na minha frente gritando ofensa e palavrão
Logo eu roubando dinheiro do caixa no karaokê?
Jurei em nome da mãe mostrei bolso debaixo do boné
-nem quiseram ver lugares íntimos
Te tiram a honestidade sem prova numa sexta qualquer
E pra sempre traidor até o fim dos dias
Verdade sim cotovia me envolvi em coisa ruim
Arrependido cada vez que deito a cabeça e durmo
Teve mesmo o lance do roubo no velho
Na mansão sem machucar ninguém
Pra pegar só um dinheiro de quem tem muito
Tudo isso com bebida sem dormir e maldito
Longe de ser perfeito
Ao seu lado morro de orgulho
-aqui ó a pontinha de vergonha da tua pureza
Todo meu carinho e agradecimento
Trabalhar no culto me deu uma coisa boa
Dentro fundo sabe como é?
Cotovia
Sou um homem só
Mas sou todo seu
-se quiser claro
Com carinho
Seu devoto
Manolo
Viu só Marta?
Que grandalhão assim te manda flor com carta no sábado?

terça-feira, 31 de maio de 2011

Aos vinte e três

Cansadas depois de acordar
As ramelas dos olhos me levam ao espelho
Tenho vergonha de encarar à frente
-aquilo que nunca fui está ali esperando uma resposta

Meto uma calça jeans
Pego o cinza da camiseta
Calço o velho tênis
Desço do elevador sem cumprimentar o porteiro
-havia mesmo um porteiro?

Na esquina da Avenida Brasil com a São Paulo
Encontro mais ramelas como as minhas
Elas são pesadas
Secas
Amargas
Dirigem carros importados
Seguem a pé rumo ao ponto de ônibus
Correm em silêncio enumerando as tarefas do dia
Entre os disparos de mensagens por celular
E a narração das manchetes dos principais jornais do País no rádio da pastelaria

Entro nesse prédio equilibrando um elefante nas costas
E ainda tenho de sorrir dar um alô perguntar tudo bem e o seu pai
-como vai?
No teclado as letras saem lentas sem estilo nem tesão
Sou um homem morto
-concluo aos vinte e três anos de idade

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Karaokê do Tatá

Falei pra ele
Tua putinha!
Contra a parede sem fuga meu amor
De mim o que bem quer
O tuzinho em coro cotovelo
Na minha boca o mindinho do teu pé
Triste pensando em quem naquelas outras?
Ai Tadeu
Setembro senti que já distante
Suas negras de vastas nádegas
Enchendo tua cabeça na minha frente?
Ódio é não escutar o papo inteiro no karaokê
Sei bem que além do parabéns
No sorriso daquelas promessas de uma cama mais quente talvez
Domingos de fúria e gozo sem pausa?
Invencível no karaokê do Tatá
Da voz profunda sedutora de cadeiras
Em pé quase todos batendo palma
Gente que sai longe até da Vila Operária
Se fala amor aqui bem pertinho capaz de matar
Sozinha já tão achando que eu louca
Ranjando briga errada no Meu Pato
Negando homem machão do teu tamanho sabia?
Perdida quem sabe sem volta pra pinga e cachaça
-nem dó tem aí dentro de mim?
No mar a âncora você me prendendo pra todo sempre?
Choro o sono por ti de raiva e tesão
Enfia a faca em mim mas não me despreza Tadeu

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Me profana diabo!

Na voz vi um sujeito aflito
Tropeçando em palavra e silêncio
Cheio de três pontinhos sabe?
Cinco anos de rua conheço bem o tipo
Combina no Meu Pato e dá balão
Esperando feito trôxa eu sozinha na mesa
Matando o bicho aqui dentro com goles de Presidente
O lugar?
Uma sobreloja na Vila Operária
Pra surpresa não cancela não
Até bonito o apê em cima duma loja de sapato
Toquei o interfone no primeiro andar
Da linha abriu o portão sem dizer oi pode subir vem tesão
Sem elevador parti pra escada
Bem metida num vestido azul curtinho e salto alto
No 101 o olho me espera atrás da porta meio aberta
Salivando me espia de baixo pra cima e empurra a porta
É quatro talvez cinco mãos menor que eu
Tão miúdo capaz de subir nas coxas daqui?
Num risinho digo bem gostoso hem
Se todos fossem assim que nem cê
Ele fica suado acho que sente a mentira
Não insisto
Tinha um sofá laranja no centro da salinha nada demais
Na mesa o retrato derrubado à pressa
-quem abraçado a ele jurando amor eterno?
Peguei pela mão e levei pro sofá
Numa lambidinha na orelha ele todo contorcido
Sete anos sem bimbar?
Louco com as gemidas da leoa em mim ao pé do ouvido
Escancara o tuzinho da tua cotovia faminta
Benze de leite meu rosto minha boca não perdoa nem a covinha
Soca tudo inteiro de uma vez sou tua me profana diabo!
Ele ficou louco ainda mais suado
Lambendo atordoado meu decote até aqui
Daí veio a campainha com alguém batendo na porta
Tão branco tremendo assustado
A voz pela primeira vez respondendo fraquinha calma tô me trocando
Corri pra trás do sofá abaixei muda
Pra minha surpresa ele veio do lado
Levantei achando que tinha outro esconderijo
Nisso a mulher com razão mandando abrir e batendo
Fraco ainda não sei como fez aquilo não
Me erguendo com tudo de uma só vez no colo
Tão rápido não gritei só fechei o olho
Arremessada um andar sem dó pelo escroto
Aqui ó a queda dói como uma faca no tuzinho
Na hora dor alguma
Só a sede de enforcar aquela garganta buscar meu dinheiro bolsa dignidade
Ninguém ali se importou comigo
Nem perguntaram de onde como se eu mesma caí
Enquanto um velho abria o portão aproveitei e corri
Sangue no zóio!
Empurrei a porta num grito alto não lembro o que disse
Quem descia a mão nele era a coitada
Que me jogou vinte pila a bolsa e um olhar de mulher