quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Eu, Ariádiny e João Gilberto

Sou homem de poucos amigos. Feio. Perdi o humor. Me dou bem com algumas mulheres. Não faltam camas para me acolher na madrugada. Não gosto de cachorros nem de gatos. Meu vizinho, homossexual não assumido, largou o emprego para cantar sertanejo universitário em Maringá - não há uma única manhã de paz com esse desgraçado cantando na minha janela.

Tenho 30 anos. Perdi o enterro do meu pai – na verdade, fiz questão de não ir. Quando tento pensar em minha mãe, a imagem que me vem à mente é a de Ariádiny. Acho que é por isso que até hoje não consigo parar de pensar em Ariádiny, no sorriso de Ariádiny, nela recitando Augusto dos Anjos enquanto encosto a cabeça em seu colo e peço a Deus arranque, por favor, meu último segundo de vida ali, deitado, em silêncio.

Estou bebendo cada vez mais. Democrático, Divina Dose, Bar Sem Nome, Salero, estou em todos eles, devendo em todos eles – às vezes Ariádiny está comigo.

Quando ela não está comigo, sinto que algo está errado. Maneta sem Ariádiny, daquele cabelo delicado, daquele humor à queima-roupa que só ela sabe disparar na mesa do bar, daquela vontade de estender as mãos, o peito, de silenciar o trânsito para ouvir Ariádiny.

Quem sabe viajar para Curitiba e ver Chico Buarque com Ariádiny? Tenho pena de quem nunca ouviu a gargalhada de Ariádiny. Estou escrevendo um romance inédito sobre ela. Que ninguém vai ler.

As pessoas gostam do que escrevo. Publiquei meia dúzia de livros, ganhei três Jabutis, e parei de escrever. Não permito ser fotografado, nunca concedi entrevistas, não compareci nos eventos literários em que fui homenageado. Ninguém sabe onde moro.

Às vezes, sou reconhecido em alguma mesa de bar. Culpa de um maldito da Folha de S. Paulo, que há dois anos publicou uma matéria com uma foto minha caminhando pelo centro da cidade. Parei de ler. A literatura engana, sufoca, enlouquece. A literatura não comove tanto quanto o sorriso de Ariádiny.

Estou com ingressos comprados para o show do João Gilberto. Estaremos na quarta fileira, poltronas A6 e A7, em São Paulo, no gargarejo. Eu, Ariádiny e João Gilberto. É quando vou dizer. Vou dizer tudo de uma vez.

Sem pausa, quase gritando para ela entender que isso é sério, para ela decorar como tudo mudou. Não é loucura minha vida, isso precisa sair daqui de dentro das entranhas. Mas se João Gilberto cancelar o show, eu juro que frito o esôfago de João Gilberto numa churrasqueira portátil no meio da Avenida Brasil num sábado talvez por volta das 18h.

Sei onde ele mora (no Leblon General Urquiza, a uma quadra da praia). Então se esperte, meu velho! Atrase quanto quiser mas toque cante volte para o bis e salve minha vida e minha noite com Ariádiny.

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