segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Por que chorei com Modigliani?

Hemingway confessou, em entrevista à Paris Review, que escrevia melhor quando estava apaixonado. Entre 1914 e 1916, na Primeira Guerra Mundial, Appolinaire inspirou-se em Lou, uma de suas musas, para escrever alguns dos versos mais belos de toda a sua produção literária. As canções de Bob Dylan e o seu engajamento político não seriam os mesmos sem Suze Rotolo – a garota da capa do “Freewheelin”. O amor nunca moveu montanhas, mas sua colaboração à literatura, às artes, é incalculável. E me pego dizendo isso em voz alta, um pouco bêbado, na mesa do Salero, com a mesma fúria que um xiita religioso recita trechos aleatórios da bíblia.

Ela não acredita no amor. Me pergunta sobre as mulheres que naveguei. Quer saber se sou fiel. Quantas vezes traído, essas coisas. Não tenho segredos com ela. Já dediquei alguns poemas de amor a algumas mulheres que amei. Há algumas mulheres que amei, mas que me guardei ao direito de não escrever verso algum. Algumas mulheres levaram mais do que um punhado de versos. Levaram noites de cachaças, cervejas, juras de amor eterno e fidelidade que não se concretizaram. Algumas mulheres quase acabaram com a minha vida. Algumas mulheres desejam a minha morte, comento, enquanto ela exibe aquela covinha do lado esquerdo.

Ela está pedindo uma cachaça da casa, pergunta por que tantas mulheres nos seus poemas? Tudo isso é mesmo verdade? Só respondo que tudo é real no universo da ficção, que o amor não é uma desocupação dos desocupados, mas que estou com Hemingway. Escrevo melhor quando apaixonado. E não só os escritores escrevem melhor - lá estou apontando o copo de cerveja na direção dela.

Tenho certeza que Arvo Pärt compôs Spigel im Spigel completamente apaixonado. Os quadros são mais intensos quando apaixonados. Faço uma pausa. É por isso que chorei durante quarenta e cinco minutos na frente de Modigliani. Já vi Rembrandt, Picasso, Van Gogh, mas nada se compara a Amadeo Modigliani, que me nocauteou com apenas três quadros na parede. Os seguranças me olhavam estranho, as pessoas pareciam preocupadas, e eu permanecia atordoado, chorando na frente de Modigliani no meio do museu. Aquilo, continuo, não era uma obra de arte. Era o amor em forma de obra de arte.

É engraçado. Com ela na minha frente, penso que os quadros de Modigliani não têm importância alguma. São chatos e tediosos, os pescoços de Modigliani. Sinto pena de Modigliani, que não conheceu ela, que não está nessa mesa bebendo com ela. Não consigo pintar um quadro como Modigliani, não componho como Bob Dylan ou Arvo Pärt. Só quero escrever poemas para ela, quero morrer olhando para ela, quero que ela nunca mais desapareça da minha vida.              

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Eu, Ariádiny e João Gilberto

Sou homem de poucos amigos. Feio. Perdi o humor. Me dou bem com algumas mulheres. Não faltam camas para me acolher na madrugada. Não gosto de cachorros nem de gatos. Meu vizinho, homossexual não assumido, largou o emprego para cantar sertanejo universitário em Maringá - não há uma única manhã de paz com esse desgraçado cantando na minha janela.

Tenho 30 anos. Perdi o enterro do meu pai – na verdade, fiz questão de não ir. Quando tento pensar em minha mãe, a imagem que me vem à mente é a de Ariádiny. Acho que é por isso que até hoje não consigo parar de pensar em Ariádiny, no sorriso de Ariádiny, nela recitando Augusto dos Anjos enquanto encosto a cabeça em seu colo e peço a Deus arranque, por favor, meu último segundo de vida ali, deitado, em silêncio.

Estou bebendo cada vez mais. Democrático, Divina Dose, Bar Sem Nome, Salero, estou em todos eles, devendo em todos eles – às vezes Ariádiny está comigo.

Quando ela não está comigo, sinto que algo está errado. Maneta sem Ariádiny, daquele cabelo delicado, daquele humor à queima-roupa que só ela sabe disparar na mesa do bar, daquela vontade de estender as mãos, o peito, de silenciar o trânsito para ouvir Ariádiny.

Quem sabe viajar para Curitiba e ver Chico Buarque com Ariádiny? Tenho pena de quem nunca ouviu a gargalhada de Ariádiny. Estou escrevendo um romance inédito sobre ela. Que ninguém vai ler.

As pessoas gostam do que escrevo. Publiquei meia dúzia de livros, ganhei três Jabutis, e parei de escrever. Não permito ser fotografado, nunca concedi entrevistas, não compareci nos eventos literários em que fui homenageado. Ninguém sabe onde moro.

Às vezes, sou reconhecido em alguma mesa de bar. Culpa de um maldito da Folha de S. Paulo, que há dois anos publicou uma matéria com uma foto minha caminhando pelo centro da cidade. Parei de ler. A literatura engana, sufoca, enlouquece. A literatura não comove tanto quanto o sorriso de Ariádiny.

Estou com ingressos comprados para o show do João Gilberto. Estaremos na quarta fileira, poltronas A6 e A7, em São Paulo, no gargarejo. Eu, Ariádiny e João Gilberto. É quando vou dizer. Vou dizer tudo de uma vez.

Sem pausa, quase gritando para ela entender que isso é sério, para ela decorar como tudo mudou. Não é loucura minha vida, isso precisa sair daqui de dentro das entranhas. Mas se João Gilberto cancelar o show, eu juro que frito o esôfago de João Gilberto numa churrasqueira portátil no meio da Avenida Brasil num sábado talvez por volta das 18h.

Sei onde ele mora (no Leblon General Urquiza, a uma quadra da praia). Então se esperte, meu velho! Atrase quanto quiser mas toque cante volte para o bis e salve minha vida e minha noite com Ariádiny.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

João Gilberto me levou à delegacia

A delegacia de Maringá não é menos caótica do que a Faixa de Gaza. Recebi a carta me convocando nesta quinta-feira. Liguei para Ariádiny. Ela queria ir junto. Chegamos por volta das 10h, demoramos quase cinquenta minutos para a senhora berrar: “Quem é Alexandre Gaioto? Alexandre Gaioto?”

Entrei na sala escura de mãos dadas com Ariádiny. Ela me dá uma estranha sensação de paz. O delegado é um sujeito bigodudo, logo estendeu a mão, mostrou as cadeiras, olhou bem para Ariádiny e disparou. “Realmente. A literatura não comove tanto quanto o sorriso de Ariádiny.”

Ficou em silêncio. Tirou um exemplar do Diário e apontou para a minha foto estampada no jornal. Era a minha primeira crônica. Publiquei na semana passada. “Até gostei do texto, mas você não sabe o inferno que me causou.”

Ainda apontando para o texto, revelou que a mãe da filha caçula de João Gilberto, Cláudia Faissol – responsável pela carreira do cantor -, registrou um B.O. na 14ª DP, no Leblon, na sexta-feira passada.
Na segunda, ele disse, enviaram uma carta precatória para Maringá exigindo que você prestasse esclarecimentos.

“Que papo é esse de fritar o esôfago daquele velho antipático no meio da rua?” No texto, em que eu abria o peito para Ariádiny, dizia que se João Gilberto cancelasse o show, eu fritaria o esôfago dele no meio de uma avenida em Maringá. E fui além. Ameaçando, revelei o endereço onde João Gilberto mora: General Urquiza, no Rio de Janeiro. “Isso foi o fim”, reclamou o delegado bigodudo.

Pressionados lá no Rio, os agentes ligam de meia em meia hora. Querem ver seu eu estou aqui, se já deixei Maringá, qual o endereço da minha casa. Na General Urquiza, três policiais à paisana estão de campana desde sexta-feira, abordando todos os sujeitos munidos de uma churrasqueira portátil.

Não soube responder muito bem. Gago fico quando nervoso. Honrado, sim, em ser convocado pelo João Gilberto. Rasbiquei meu nome no depoimento. A pedido do bigodudo, fiz uma dedicatória ao seu sobrinho. “Adora os seus textos. Quer ser jornalista”, explicou.

Mal deixei a delegacia de mãos dadas com Ariádiny, comecei a chorar. Meu Deus. Fui lido por João Gilberto. Não teremos, eu e Ariádiny, a noite que planejei, vendo o show de João Gilberto no gargarejo. Mas estamos indo para Curitiba. Vamos ver Chico Buarque. Eu, Ariádiny e Chico Buarque. Infelizmente, em poltronas distantes.

Com todos esses textos, Ariádiny já sabe o que penso sobre ela. Que não paro de pensar nela. Que gosto das suas quarenta e quatro estrelas tatuadas no pescoço, dela cantando Beatles enquanto toco violão, que o nascer do sol tem o mesmo amarelo da cor dos cabelos de Ariádiny – e é mais intenso, o nascer do sol, ao lado de Ariádiny, bebendo Santa Helena.

Veremos Chico Buarque. Já tenho antecedentes. Não é boa ideia ameaçar Chico Buarque nos meus textos. “Escreva e te mando em cana”, alertou o bigodudo, depois que terminei a dedicatória ao seu sobrinho, escrita às pressas, enquanto Ariádiny me abraçava forte.