Texto publicado no Correio Braziliense (9/11/13)
Fabrício Corsaletti responde o e-mail
rapidamente. Pelo iPhone, com palavras abreviadas e um erro de
digitação lá no meio da mensagem, topa a entrevista e sugere o
local da conversa. “Vamos a um bar na Rua Augusta, às 10h30. Me
ligue uma hora antes, que te passo o endereço”.
Agendado, o botecão, para a manhã de
uma árdua segunda-feira em São Paulo: vida de poeta é mesmo uma
coisa fabulosa. O convite à cerveja, embora tão cedo, não soa
estranho. É na mesa do bar que Corsaletti costuma atender os
repórteres: entrevistas regadas a cevada e acepipes. Quando lançou
Esquimó (Companhia das Letras, 2010), seu mais recente livro de
poesia, um jornal paulista estampou uma foto dele confortavelmente
sentado num de seus botecos favoritos da capital: ao lado da cerveja
de 600 ml, o olhar sóbrio encarava o fotógrafo e o leitor.
Conforme o combinado, ligo para
Corsaletti, às 9h30: o bar, em cima da hora, vai por água abaixo. E
do outro lado da linha telefônica, naquela segunda ensolarada, ele
passa o endereço de uma padaria, localizada a poucas quadras do
apartamento onde mora, na mesma Augusta. “É muito cedo para a
gente beber, né?”
Aos 34 anos, Corsaletti é apontado
pelos críticos Manuel da Costa Pinto e Alcides Villaça como um dos
grandes novos nomes da poesia brasileira. Ele teve seus primeiros
quatro livros de poesia reunidos no volume Estudos para o seu corpo
(Companhia das Letras, 2007) e publicou, ainda, duas
obras com versos direcionados ao
público infantil, além de um livro de contos e um romance.
Leitor de Manuel Bandeira, Carlos
Drummond de Andrade, Guillaume Appolinaire, Fernando Pessoa e William
Faulkner, Corsaletti reúne boas doses de humor, lirismo e tristeza,
em poemas quase sempre concisos, bem resolvidos em uma página. A
anáfora e a repetição, exploradas a partir de seu segundo livro de
poesia, O sobrevivente (2003), foram aos poucos dominando sua
escrita,
que rendeu passagens invejáveis nas
páginas do Esquimó”.
Nascido em Santo Anastácio, no interior
de São Paulo, ele está radicado há 16 anos na capital, onde
trabalha como cronista da Folha de S.
Paulo, escrevendo a cada duas semanas aos domingos.
Seu horário, flexível, é bem
diferente dos demais paulistanos, que, afoitos, sobem a Augusta
equilibrando pilhas de documentos e correm
desesperados para alcançar o ônibus no ponto da próxima esquina:
tardes e manhãs livres, todas dedicadas à produção literária.
Sentado próximo à janela, encontro
Corsaletti numa padaria charmosa e vazia, tomando uns goles de um
café espresso. “Você é um boêmio, Corsaletti?” Ele ri. “Não,
não. Raramente bebo antes das 18h.” À garçonete, ele pede outro
espresso. Numa conversa sem álcool, fala sobre o processo criativo
de seus poemas, defende a importância da inspiração e anuncia que
o próximo livro de poesia será esteticamente parecido com o
Esquimó.
Muitos de seus poemas exploram o
humor. Não é o mesmo de Machado de Assis, que é fino. Nem é
semelhante ao do João Gilberto Noll, que é grotesco. Como você avalia
o humor na sua obra?
Aprecio o humor na literatura, mas não
gosto quando ele está em primeiro plano. Gosto quando escritores
combinam, por exemplo, um texto sério com um humor negro. É mais ou
menos como eu gosto da poesia junto com a prosa. Gosto do humor do
Big Bang Theory, mas não suporto o humor desses stand-ups. Gosto do
humor que há na poesia da Angélica Freitas, no Drummond, no Vinicius
de Moraes. Nos meus primeiros livros, há pouco humor. Acho que
fiquei mais bem-humorado, sei lá, porque fui envelhecendo. Mas não
sei avaliar o humor da minha literatura. Não sei em que tipo ele se
enquadra.
Quando você começa a escrever um
poema sempre sabe como irá terminá-lo?
Não. Nunca sei como vou terminar um
poema. Também não sei como será a forma do poema. Não sei se o
poema terá rimas, se será versificado...
Essa falta descontrole sobre o seu
próprio texto não te apavora?
Não, jamais. Sei que isso faz parte do
jogo.
Você acredita em inspiração?
Sei que essa palavra está muito
batida, mas acredito, sim. A poesia se faz da palavra, mas a emoção
faz você chegar à palavra certa. Escrevi muita coisa com raiva,
escrevi muita coisa com paixão: a escrita toma forma a partir desses
estados. Não acredito na ideia de inspiração de que haja uma musa,
e que essa musa fala ao poeta, sabe?
E Eva Green, que você homenageou nos
versos de “Plano”, é uma dessas suas musas?
Claro! Quem nunca se apaixonou pela Eva
Green? A escolha do nome dela, nesse poema, não foi nada por acaso.
Não pode ser apenas subtraído e substituído pelo nome de outra
mulher. Eva Green carrega um significado próprio, uma sonoridade.
Eva faz alusão à Bíblia; Green, ao verde. Não foi uma escolha
gratuita.
Você é dependente da opinião de
amigos?
Sou dependente, sim. Às vezes, meus amigos apontam umas coisas muito ruins nos meus poemas, coisas que
eu nem tinha reparado, como cacofonias, e aceito as mudanças. Em
outros momentos, quando discordo das críticas deles, não mudo nada.
No “Penúltimo Poema sobre Meus Pais”, do Esquimó, meu amigo
Alberto Martins mandou que eu separasse o poema em duas partes: para
dar uma mudança no tom. A Companhia das Letras, no entanto, nunca
modificou meus poemas.
Os jornais foram generosos no
lançamento do Esquimó.Você ficou surpreso com o espaço que
a mídia te deu?
Olha, não fiquei surpreso. Mas
confesso que não esperava que fosse assim, tão bem recebido.
E quanto ao material inédito, o que
você já tem pronto?
Já tenho 50 poemas, cheguei a publicar
alguns na Folha de S. Paulo, mas ainda não senti que o novo livro
está pronto. Está faltando alguma coisa. Alguns poemas, que eu já
havia escrito e até gostava, agora já não gosto mais. Dá para
sentir que o novo livro não terá uma mudança radical com relação
ao Esquimó: são livros esteticamente parecidos.
Você utiliza muitas anáforas nos seus
versos, principalmente no último livro. Por quê?
Eu nunca fui atrás das repetições,
porém eu gosto muito. Sempre gostei daqueles versos do Alberto
Caeiro, de “O Luar Através dos Altos Ramos”: “O luar através
dos altos ramos / dizem os poetas todos que ele é mais / que o luar
através dos altos ramos / mas para mim, que não sei o que penso / o
que o luar através dos altos ramos”. Li esse poema quando tinha 16
anos. A minha paixão pelas repetições vem desse poema.
Achei que tivesse sido por influência
do Bob Dylan. Por falar no Dylan, você chegou a traduzir
algumas canções dele, né ? Como foi
sua tentativa de verter o Dylan para o português?
Tentei traduzir duas músicas: Isis e
uma outra. Fiquei completamente perdido. Não sabia se ia atrás das
rimas, ou se ia atrás das imagens. Para piorar, meu inglês é
insuficiente: foi muito difícil traduzir o Dylan. Talvez seja uma
missão para o Augusto de Campos, mas não sei se ele gosta. O que eu
gosto mesmo, sabe, é das minhas coisas.
“Seu Nome”, um belo poema de amor,
é o seu poema mais conhecido. Até rendeu boas visualizações no
YouTube, num vídeo divulgado pela Companhia das Letras. Como você
escreveu o poema?
Levei umas duas semanas para
escrevê-lo. Precisei fechar as sequências, evitar as repetições e
troquei a ordem dos versos. “Seu Nome” reúne muita coisa que eu
queria abordar. Não é, porém, o meu favorito: é o poema a que sou
mais grato.
Num dos versos do “Seu Nome”, você
citou o Chico Buarque, seu colega da Companhia das Letras: “Não
entendo por que Chico Buarque nunca compôs uma música com o seu
nome”. Você chegou a mandar seu livro ao Chico?
Mandei um exemplar pela editora, mas
ele nunca me respondeu.
Você tem belos poemas sobre o amor. Por
que não escreveu nada sobre sexo?
Acho muito difícil escrever sobre
sexo. Quero que funcione não no meio termo. A beleza física me dá
vontade de escrever poemas líricos. O tesão não me dá vontade de escrever: me dá vontade de trepar. Gosto dos versos eróticos do Catulo e do Drummond, embora O amor natural não seja um grande livro: é um livro médio, com uma variação de tom.
vontade de escrever poemas líricos. O tesão não me dá vontade de escrever: me dá vontade de trepar. Gosto dos versos eróticos do Catulo e do Drummond, embora O amor natural não seja um grande livro: é um livro médio, com uma variação de tom.
Alguns leitores dizem que seus poemas
chegam a ser fofos. O que acha disso?
Odeio quando me dizem isso. Fico triste
de saber.
Você acha que seus livros vão
resistir ao tempo?
Acho que não vão resistir, não.
Talvez uns dois ou três poemas resistam em antologias futuras. Quem
sabe?
Além de Bob Dylan, que som você gosta
de escutar? Gosta de Philip Glass, Arvo Pärt?
Não conheço esses dois. Em casa, só
ouço Bob Dylan, Johnny Cash e muita música popular. Mas ultimamente
tenho preferido o silêncio. Não fico procurando CDs, nem converso
sobre as novidades da música. Não consigo mentalizar todos os
lançamentos. Sinto que estou cada vez mais isolado com um único
objetivo: ler melhor. Ainda nem terminei todo o Faulkner... Escrever
dá muito trabalho.
Um comentário:
Nego, qual o problema em ser fofo? Eu adoro tudo o que vc escreve, de 15 em 15 dias vou correndo na Folha ver o que vc escreveu, sou louca pelo seu Golpe de Ar, não por que é fofo, apesar de eu achar fofo, mas por ser verdade o que vc diz poxa... a verdade não pode ser fofa? Ô se pode! Abraçaço Fabricio!
Thais
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