Publicado no Correio Braziliense (17/6/2014)
“Tem um cara muito
estranho querendo falar com você”, avisa a secretária, discretamente apontando
para a sala ao lado. Curiosa, ela indaga quem é o sujeito. Digo o nome dele e
de sua banda: Blanch Van Gogh, cantor e letrista do Cogumelo Plutão. Não
adianta nada. Tento cantarolar, em vão, os versos de “Esperando na janela”, o
maior – e único – hit da banda brasiliense. A secretária sai de cena um pouco
desapontada e sigo ao encontro de Blanch.
Mesmo que ela se lembrasse da
fisionomia do cantor, seria impossível reconhecê-lo, ali, sentado à mesa: acima
do peso, rosto inchado, o cabelo todo ensebado e desgrenhado, não dá para
imaginá-lo rolando no chão e entoando o tal hit da janela, como ele fez no clipe
da música em 2000.
Gente boa, Blanch estende a mão e
vai direto ao assunto: 14 anos depois dos poucos minutos de fama e do
misterioso desparecimento de sua banda – que sumiu do mapa sem qualquer aviso
oficial –, ele está retomando, finalmente, o Cogumelo Plutão. “Quero começar
pelo Paraná porque nosso último show foi aqui no estado. Precisamos fechar esse
ciclo e iniciar um novo”, justifica. Empolgado, ele adianta que, em
julho, sai o álbum de músicas inéditas (“Amor à Primeira Vista”) e que a turnê,
composta por 40 shows, começa em agosto. Ainda não há datas confirmadas.
O sumiço do Cogumelo Plutão, ele
conta, foi culpa de um aneurisma. Por causa disso, Blanch foi se tratar nos
Estados Unidos, onde teria passado dois anos “entre a vida e a morte”. Enquanto ele vai
explicando sua epopeia, a voz sempre calma e serena, algumas histórias
inacreditáveis surgem nos relatos. “Nos EUA, fiquei muito tempo numa
cadeira de rodas e escrevi um livro que se tornou best-seller lá. Desde então,
sou citado em todos os lugares por intelectuais e artistas europeus”, garante,
já emendando outro detalhe surreal de sua biografia: “Não sei se você sabe,
mas, na Europa, sou considerado um dos maiores artistas plásticos
contemporâneos”, avisa, com um generoso sorriso.
Com o hit da janela, vertido a
diversos estilos musicais por uma penca de artistas, do sertanejo “universitário”
de Cesar Menotti & Fabiano à balada soporífera de Angélica, Blanch diz ter
embolsado “bem mais do que R$ 2 milhões” com os direitos autorais. São dele,
também, as músicas “Beijar na boca” e “Uma vez mais”, que explodiram,
respectivamente, com Claudia Leitte e Ivo Pessoa. “Sou o décimo maior
arrecadador de direitos autorais do país”, gaba-se, do outro lado da mesa.
Só grandes
amigos
Aproveitando tantas notícias
bombásticas, resolvo perguntar sobre o seu amigão Renato Russo. “É verdade que
você era namorado dele?”, questiono. Blanch abre um sorrisão malicioso.
“Plantaram essa notícia de que eu era namorado do Renato em 1992. Fomos grandes
amigos, mas não namorei o Renato. Mesmo porque o Renato não namorava ninguém,
não era fiel a ninguém. Se eu tivesse namorado ele, não teria vergonha em
dizer”, revela.
A vivência com Renato Russo foi
fundamental para que Blanch se dedicasse, de corpo e alma, ao seu Cogumelo
Plutão. “Ele me enchia para fazer a banda. No nosso primeiro show, em São
Paulo, o Renato estava lá com a gente, cantando e me incentivando. Conheci um
Renato diferente, sabe? Não esse aí, o estereotipado do cinema. Cheio de
necrófilos em volta... Sabe uma coisa que ele sempre me dizia? ‘Acredite em si
mesmo’”, recorda-se. Tão próximo do líder da Legião Urbana, Blanch afirma que
acabou servindo de inspiração para algumas canções, como “Vento no litoral".
“Lembro-me que, um dia, eu ia encontrar o Renato no apartamento dele, mas ele simplesmente
ficou trancado lá com um namorado. Depois, quando foi à minha casa, eu não o
recebi e fiquei com a minha namorada. Quando nos encontramos, ele olhou para
mim e começou a dizer: ‘Já que você não está aqui’. E isso, como a gente sabe,
virou um clássico. Eu o influenciava e ele me influenciava também. Pense em nós
como dois grandes artistas, que se influenciaram mutuamente, tal como os
pintores expressionistas”, compara, modestamente.
16 inéditas
“Agora,
vou te contar uma coisa”, ele avisa. E faz uma pausa abrupta, forçando um tom
dramático à fala. Ele não parece um cara ansioso, nervoso. Mas as unhas roídas,
acumulando uma fina camada negra de sujeira, parecem denunciar o contrário.
O
que pode ser mais surpreendente do que ele ser um dos maiores artistas
plásticos contemporâneos na Europa? Ou, então, ter escrito um best-seller nos
EUA, que lhe garantiu a glória e o reconhecimento de artistas e intelectuais
europeus? Com Blanch, tudo é possível. “Tenho 16 músicas inéditas, gravadas, do
Renato Russo. Oito são músicas só dele e as outras oito são composições nossas”,
revela, citando, como exemplo, duas canções: “Camisinha Amarela” e
“Plus-Ultra”.
Pouco caso
Em
2006, Blanch diz ter avisado a gravadora EMI da existência do material inédito
e, em seguida, teria entrado em contato com o escritório que administra o
legado de Renato Russo. A tentativa de aproximação, ele vai resumindo, foi
frustrante. “Fui destratado por uma das funcionárias e nunca quiseram saber de
mim. Então, por lei, não posso mexer nesse material. Imagino que isso não tenha
chegado ao conhecimento do Giuliano Manfredini, que é filho do Renato e é um
garoto que eu respeito muito”, reclama.
“Tudo
o que eu queria era que o Giuliano tomasse conhecimento dessa situação e me
autorizasse a usar o material”, sinaliza o cantor. Pergunto, então, sobre a
qualidade do material. O amigão de Renato Russo se aproxima da mesa, finca os
cotovelos (eis a cartada matadora de Johnny Moss!? a mão danada de Doyle
Brunson!?), e responde calmo, porém firme: “Posso te afirmar que são as
melhores músicas que o Renato compôs”, anuncia.
Quando
Blanch vai embora, penso no espanto da secretária (“tem um cara muito estranho
querendo falar com você”), imagino o concorrido vernissage de Blanch Van Gogh
no Museu de Arte Moderna de Paris – boa parte do público, basicamente formado
por empresários do sertanejo “universitário”, levando o best-seller dele a
tiracolo – e acompanho uma centena de intelectuais europeus rolando no chão e
entoando as 16 músicas inéditas de Renato Russo – infelizmente, todas elas são
executadas ao mesmo tempo, sendo impossível discernir uma de outra. É um enredo
rocambolesco e aloprado de um filme surrealista. Na última cena, o vento, em
zoom, vai levando tudo embora.
3 comentários:
Blanch é esquizofrênico. Ele diz absurdos em entrevistas, que é isso, que é aquilo, ele diz que não suporta o assédio. Que assédio? Só realmente pessoas profundamente imersas no mundo da música o conhecem. O Blanch não suporta o fato de ninguém saber quem ele é.
Ele na verdade conta a vida e o reconhecimento que gostaria de ter e nunca teve.
Eu conheci esse Blanch Van Gogh, que não é Blanch muito menos Van Gogh, envolvido que estive no tal movimento "artivista", do qual pulei fora o mais depressa possível, quando me dei conta da roubada que era. A princípio o levei a sério, pois me parecia um sujeito inofensivo, e também pelo sucesso musical obtido com sua música, apesar de achá-la tão-somente um adocicado meloso para alimentar o metabolismo rápido da indústria do entretenimento que a cada dia precisa mais e mais de doses cavalares de açúcar. Pois bem. As hipérboles de Blanch eram de tal forma grandiosas, que cheguei à conclusão de que o rapaz vive um processo psicológico entre a mitologia e a mania de grandeza. Não é uma má pessoa, no entanto fica difícil se relacionar com alguém que sofre destes males, porque ele mesmo coloca seu interlocutor em suspenso ou, "com a pulga atrás da orelha".
Assino em baixo.
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