segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Dinho

Naquele sábado, toda cidade comovida com o estupro no Parque do Ingá. Seis aposentadas formavam vigília na Catedral, o prefeito concedia, emocionado, entrevista para um programa de TV, o assunto do dia no Bar do Guerra.
Neide, 13, cuidava do carrinho de pipoca do padrasto, em frente ao Parque, desde as dez da manhã. Os olhos vendados, carregada para trás da cabine do pedalinho, dentro do ponto turístico, onde foi violentada por cerca de quinze minutos.
Ao meio dia, poucos se aproximaram da garota que chorava e exibia marcas por todo o corpo. Dois seguranças do Parque, o velho do carrinho de caldo de cana e o responsável pelos leões algemados e carregados pela polícia militar.
Duas horas depois, já com os portões fechados, uma equipe de TV mostrava as imagens do local ao vivo. Trancado no ponto turístico, em frente à Maria Fumaça em exposição, Dinho agarrado ao gorrinho vermelho escrito Jesus, as mãos tremendo, o olhar assustado:
“Coisa suja! Coisa suja!”
No Paraná, a estranha imagem em desespero. Carregado às pressas para a delegacia, Dinho encara os quatro homens algemados atrás do vidro: a única testemunha ocular. As seis aposentadas da vigília deixam as velas acesas e correm para a secretaria da Igreja. Eufórico, o pároco comemora, apontando a televisão:
“O doidinho que viu tudo!”
“Dinho, quem fez a maldade?”, indaga um dos agentes.
Desta vez, o garoto não tentou lamber o nariz nem chacoalhou a algema cedida por um dos policiais. Estendeu o indicador, tirou catota do nariz e esfregou no gorrinho. Com a mão esquerda, Dinho imaginava uma farta barba e ficou a acariciá-la lentamente, olhar sério no quarteto enjaulado, como os bichos do Parque do Ingá.
“Arara! Arara!”, deu pulos de alegria, batendo no vidro que o separava dos suspeitos.
Na mesa à sua frente, café quentinho, pão francês, bolacha de morango e suco de maracujá. Dinho sentou-se nos três lugares disponíveis, provando muito de tudo. Em qualquer lugar quando entra, senta nas cadeiras e come o que oferecem.
Atrás do crucifixo no pescoço, Dinho exibiu o nome e telefone da mãe. Depois do abraço forte no filho, o pedido da polícia:
“É só apontar.”
O ar condicionado era incômodo. Puxava o gorrinho de um lado para o outro, esquentando as orelhas. Organizaram os suspeitos, desfilavam um a um, constrangidos. A cada passo, Dinho olhava sério, abraçado pela mãe. Os primeiros bocejos indicando sono.
“Filho, aponte a coisa suja.”
Quando Manolo, um dos seguranças, encerrou seu quinto desfile em frente ao vidro, o garoto deu um pulo. Queria ver de perto o próximo sujeito. Alisou a barba invisível, tampou os olhos com as duas mãos, o grito estridente, batendo os pés no chão, e apontou o responsável pelos leões.
“Parabéns!”
Aplaudido pelos policiais, ganhou medalhinha no peito, abraços e posou para fotos. Dinho deixou a delegacia, aliviado, acompanhado pela mãe. Depois de tantas perguntas, o sorriso no rosto arredondado e uma discreta ereção ao atravessar a rua.

2 comentários:

Michel Queiroz disse...

Telepatia, meu caro! Escrevi um conto sobre doidinho tb! hahaha...

Anônimo disse...

de novo o Manolo?