segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Um conselho de Roth


“Os sentimentos podem ser o maior problema na vida. Os sentimentos podem nos pregar peças terríveis”, alerta Philip Roth. Nestas duas frases, o maior escritor vivo da língua inglesa expõe o cerne de seu novo romance, “Indignação”.
Em seu vigésimo nono livro, Roth retoma a influência da sociedade judaica, a tensão sexual de seus personagens e o excesso de proteção familiar que os envolvem. A novidade, desta vez, está no rompimento com os narradores velhos de seus últimos livros, “O Fantasma Sai de Cena” (2008) e “Homem Comum” (2007).
Narrado em primeira pessoa pelo jovem Marcus Messner, um estudante de direito que está sob efeito de morfina, “Indignação” é um romance primoroso, permeado por diálogos cortantes e conduzido por minuciosos detalhes que constituem, a cada página, o emaranhado psicológico dos personagens de Roth.
No momento em que o protagonista inicia sua vida acadêmica, seu pai passa a temer sua morte de uma forma paranoica, doentia, ainda mais acentuada do que em “O Complexo de Portnoy” (1969), obra que assegurou o lugar de Roth na literatura contemporânea.
Seja com relação aos seus familiares, aos colegas de quarto, à religião e até mesmo na relação sexual com uma colega, o narrador sente-se constantemente indignado, mas sempre escolhe evitar os problemas. A calma de Marcus Messner, no entanto, tem limites. E é discutindo com o diretor de alunos da universidade que o protagonista dá voz aos seus sentimentos e ofende verbalmente o diretor, o que resulta na sua expulsão.
Convocado para ingressar o exército estadunidense na guerra da Coreia, Messner morre atrofiado pelas baionetas inimigas, em um ambiente tão sangrento quanto ao açougue em que trabalhou durante a adolescência.
Por meio de personagens perturbados, que vivem as diferenças existentes entre a cultura judaica e a cultura norte-americana, Philip Roth, aos 76 anos, produz outro retrato provocante dos sentimentos humanos. E revela ao leitor que, às vezes, o melhor é cumprir as obrigações da mesma forma passiva e tolerante tal como Messner, trabalhando no açougue de seu pai, aceitava a tarefa de eviscerar galinhas: “Nauseabunda e repugnante, mas tinha de ser feita.”
Que a vida fosse boa e justa para Messner e para todos nós, mas ela é repleta de injustiças, desaforos, indignação. Evitar os confrontos e aceitar passivamente algumas ordens pode ser a melhor estratégia, de acordo com o conselho de Philip Roth.
Crítica publicada no jornal O Diário do Norte do Paraná, no dia 4 de outubro de 2009.

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