domingo, 11 de outubro de 2009

Nada de trambolho

Eles chegaram numa tarde chuvosa.
Rindo alto e comemorando.
Logo vi que estavam chapados.
De segredo há coisa de um mês. Pensa que eu não sabia?
O grande assalto no Café Cremoso.
Posso ser tonta. Mas burra, não.
Primeiro, as máscaras de carnaval. Lula, Pelé e um cara que eu nunca vi. Depois, um e outro detalhe no truco.
Eles ficavam jogando bem ai, na entrada. Colocavam a mesinha, as cadeiras, e aproveitavam pra mexer com as mais jovens na rua. Quando eu trazia cerveja – quase duas grades! –, levava um safanão na bunda, bem dado pelo Antônio, que ria pro alto, com a mão na barriga e o olho vermelhão. Já pro final, bêbados, dava pra ouvir tudo sobre o assalto na padaria, no dia seguinte.
E mais safanão.
Até o Baiano e o Bode metiam a mão em mim, enquanto o Antônio me chamava de trambolho.
Foram pra dentro pelas onze e meia.
Quem arrumou tudo?
Euzinha, o trambolho da escrava, a doméstica que todo mundo mete a mão.
Na cozinha, onde eu sempre rezo de manhã, cada um mostrava seu cano.
Todos enferrujados.
Não sei nome de revólver. Sei que eram pretos e enferrujados.
E ficaram em cima da mesa até a noite do dia seguinte.
O Antônio dormiu no sofá. Os outros no chão mesmo. De manhã, me chamou de trambolhinho e pediu café.
Morria de amores por ele, doutor, o café fiz com paixão.
Se frio, ele taca na minha cara.
“Tem que ta pelando, trambolho!”
De tanta exigência, aprendi o mais quente do café. Na recompensa, safanão ardido e olhar de desejo.
Não tavam nervosos, não.
Até tomaram umas latinhas.
Saíram lá pelas seis, no Gol vermelho do Bode.
Fui no bingo ali da esquina. Pra ajudar a igreja.
É um pessoal tão bom. O Senhor fez obras em mim.
Depois do culto, que acabou às oito e meia, começou o bingo.
Acho que voltei às dez.
Estranhei porque não tinha ninguém em casa, e o portão não tava do mesmo jeito que eu deixei.
Como eu fui direto na cozinha, encontrei o saco preto com os três canos enferrujados. Mas não tinha nenhum dinheiro.
Não sei dessa mochila do assalto, não.
Amarela? Pior ainda.
Carrego minhas coisas na sacola da Renner. Não gosto de bolsa.
Tenho só a mochila de couro, pode ver.
O revólver, só peguei pra jogar fora. Joguei no lixão da esquina. Não aguentei aquilo na minha frente, na cozinha. Justo onde eu rezo? O espírito santo aguenta? Nem eu.
Sabia que, se descobrissem, eu tava lascada.
Quis fugir de casa porque queria vida melhor, doutor. Ano passado, me meteu sete balas no corpo! Sete balas, doutor! No meio do Bar do Vandir, comemorando aniversário da afilhada. Toda aquela gente no boteco, ele sacou o cano e começou a disparar feito louco.
É coisa do demônio.
Fui salvada por Jesus, sete é o número Dele!
Por causa do Antônio, as crianças tiradas de mim. Nas mãos da justiça.
Entraram lá em casa e pegaram craquinho, erva, agulha: nada meu! Nunquinha!
Tudo do Antônio, escondido.
Ouviram mentira de vizinho. Esses, sim, do mal, do cão.
O Antônio nem batia tão forte.
Eu tinha que segurar as crianças, né? Senão, elas fugiam. Uma palminha nunca faz mal.
Mas não teve chicote, não. Nunca nunquinha.
Eu fiquei mesmo com medo do assalto. E dos assaltantes.
Tua vida muda quando é um marginal na tua cama. Tua vida não é mais a mesma.
Só o Senhor salva, só o Senhor tem a cura dos ceus, a fé entre irmãos.
Aleluia!
Perdão, doutor.
Mas o Senhor fala em mim. Minhas palavras é Dele! É o mesmo sangue. É a nossa voz!
Sou conhecida de todo o Jardim dos Pássaros e do Ney Braga.
Nunca fiz baderna nem marginalidade.
Respeitada no culto, a oração da sexta é sempre minha.
Me criei no campo.
Ó a mão de trabalho, ó.
Nunca envolvida com droga. Nem sei que gosto.
Nunca vi esse dinheiro. Senão, fugia de Maringá.
Ou não.
Comprava uma casa boa, lá no Jardim Tabaetê. Na rua Vasco da Gama tem o meu sonho, média, quintal pras crianças.
Tô na mesma casa, doutor. Vá lá ver a situação.
A coisa tá feia. É a crise, né? Me mudava! Ah, se me mudava! Com todo o dinheiro na bolsa! Praquela besta sentir minha falta. Pra eu matar a vida dele toda. E ele correr pra mim de novo. Sem safanão, com muito beijo na nuca, me chamando de amor. Nada de trambolho.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bode e Baiano! ahauahuahauahauhauahauahuahauahaahauahuahauahauhauahauhauaahuahauhauahauhauahauahuahauhauahuahu

ass. "de boa"