quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Manaus de Hatoum


Em "A cidade ilhada", livro de contos do amazonense Milton Hatoum, Manaus é o centro de suas tramas delicadas, poéticas e surpreendentes

É comum um escritor iniciar sua trajetória literária publicando contos. E, depois, com a experiência adquirida nas histórias curtas, partir para a composição de narrativas mais longas, dedicando-se à novela ou ao romance. Com o amazonense Milton Hatoum, autor do aclamado “Dois irmãos”, o trâmite foi diferente.
Seu primeiro livro publicado, o romance “Relato de um certo oriente” (1989), foi bem acolhido pela crítica especializada, venceu o prêmio Jabuti e, desde aquela época, já mostrava algumas características literárias que reapareceriam em suas obras, como o regionalismo, a prosa poética e o objetivo de imortalizar Manaus.
Depois de três Jabutis seguidos – além de “Relato de um certo oriente”, os romances “Dois irmãos” (2000) e “Cinzas do Norte” (2005) também foram contemplados com o prêmio –, o escritor apostou no diferente.
No ano passado, a Companhia das Letras lançou “A cidade ilhada”, volume reunindo alguns de seus contos publicados em jornais e revistas, no período de 1990 e 2008, além das histórias inéditas. Tanto na novela “Órfãos do Eldorado”, publicada há dois anos, quanto nos contos, Milton Hatoum revela-se um autor saboroso em suas concisões. Seu ritmo de narrativa delicado conduz, sempre com belas imagens, as 14 histórias de “A cidade ilhada”.
No primeiro conto, Hatoum regressa à Manaus de sua infância para compor, com pureza e inocência, sobre a primeira noite de um grupo de jovens amigos no prostíbulo “Varandas da Eva”. Tal como o grupo de amigos que vai ao balneário das mulheres, praticamente todos os personagens do livro estão em Manaus.
Em “Dois poetas da província”, Hatoum resgata a passagem do filósofo Jean-Paul Sarte por Manaus; “Um oriental na vastidão” mostra a bonita história de um cientista japonês que viaja à Manaus apenas para conhecer as águas do rio Negro – local onde, futuramente, ele escolherá para morrer; um jornalista indiano, disfarçado de almirante, faz uma visita a um escritor de Manaus – Milton Hatoum? – a fim de publicar, na Índia, um perfil sobre autor.
Na cidade de Hatoum, os homens defendem sua honra com vingança e cabeça em pé. Nos contos “O adeus do comandante” e “A casa ilhada”, o escritor traça dois perfis completamente diferentes para dois homens traídos por suas respectivas mulheres. No primeiro, um simples barqueiro, numa lúgubre viagem de barco, assassina o próprio irmão após descobrir os casos de infidelidade envolvendo sua esposa: “Salvei minhas honras e tirei a vergonha dos meus três filhos”, explica o personagem. Já em “A casa ilhada”, um renomado biólogo retorna à Manaus para matar o homem que seduziu sua mulher e arruinou o início do seu casamento. Assim, o contista une, no mesmo nível, o intelectual ao homem simples: ambos traídos à beira do rio Amazonas.
Tal como Dalton Trevisan mitificou Curitiba e João Ubaldo Ribeiro, a ilha de Itaparica, o escritor amazonense se dedica às peripécias de sua região, com os seus costumes, tradições, gírias, pratos típicos e lendas: é o comportamento subversivo do jovem artista Mundo, do romance “Cinzas do Norte”; são as brigas constantes dos gêmeos Yaqub e Omar, em “Dois Irmãos”; é o retrato da decadência na vida de Arminto Cordovil, em “Órfãos do Eldorado”.
As delicadas histórias de Milton Hatoum, em “A cidade ilhada”, poderiam acontecer em qualquer lugar do mundo. Mas o contista não abre mão de sua terra. É em Manaus - ou numa pequena cidade à beira do rio Amazonas – que suas tramas são ambientadas e desenvolvidas.
Milton Hatoum segue o conselho do autor russo Leon Tolstoi: “Cante a tua aldeia e serás imortal”.
Publicado em O Diário do Norte do Paraná, no dia 27 de janeiro de 2010.

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