Antonio
Cândido não foi apenas um professor, foi um pugilista. Deu ganchos
certeiros em Clarice Lispector, mandou cruzados que atordoaram Oswald
de Andrade, emendou jabs desconcertantes em outros figurões
literários. E fez tudo isso com técnica e elegância, justificando,
de uma forma extremamente convincente, as necessidades de seus
golpes.
As
bordoadas eram no calor da hora, com as obras recém-lançadas, e ele
sempre esteve consciente dos riscos que corria — um crítico que
não compreende uma obra é ignorante por desconhecer as inovações
ou alguém com uma leitura tão poderosa, capaz de notar erros que
autores e editores ignoram?
Essa
postura combativa, que ele assumiu tão bem, com coragem,
independência e pulso firme, é o que mais faz falta no cenário
literário atual, com pseudos-críticos frequentemente assumindo uma
postura covarde e submissa diante de obras de qualidade questionável,
arremessando elogios aleatórios em busca de coleguismo e algum
espaço no meio literário. A cada golpe desferido nos erros de uma
obra, Antonio Candido sabia que cumpria um dever cívico: provocava
uma reflexão — dolorosa, para alguns leitores e autores — sobre
a qualidade da escrita produzida no Brasil.
Quando visitei Antonio Cândido, há dois anos, me surpreendi com seus passos ágeis, com suas mãos que pareciam pesar mil quilos, com os olhos enérgicos e tão temidos — olhos que enxergam mais do que nós —, com sua memória capaz de armazenar mínimas lembranças e de retomá-las, sem esforço, a qualquer momento.
Quando visitei Antonio Cândido, há dois anos, me surpreendi com seus passos ágeis, com suas mãos que pareciam pesar mil quilos, com os olhos enérgicos e tão temidos — olhos que enxergam mais do que nós —, com sua memória capaz de armazenar mínimas lembranças e de retomá-las, sem esforço, a qualquer momento.
Lembrava,
de imediato, os detalhes e o ano longínquo de uma palestra concedida
em minha cidade, Maringá (PR), e também recordou, rapidamente, o
momento em que foi apresentado ao Vampiro de Curitiba.
Era ali, em meio a porteiros e vizinhos, que Antonio Candido recebia seus leitores e alunos de todo o país. Bastava interfonar. Aos 96 anos, ele não parecia um professor aposentado da USP, mas, sim, um atleta em plena forma. “Eu era, sim, um crítico severo. Se achava o romance ruim, escrevia uma crítica negativa. Um dia, depois que critiquei um autor, me avisaram que ele havia comprado uma bengala para me dar uma sova. Fiquei um bom tempo com medo”, comentou, com uma boa gargalhada, antes de acrescentar: “Mas isso é essencial: o crítico literário tem, sim, que falar mal”.
Antonio Cândido publicou ensaios antológicos: Dialética da malandragem, O poeta itinerante e A educação pela noite são apenas alguns deles. Ensinou sobre a necessidade de estabelecer diálogos multidisciplinares, defendeu as proezas das transgressões — foi o primeiro acadêmico a reconhecer as maravilhas das letras modernistas — e ainda nos deu preciosas lições de boxe. Mais do que nunca, Antonio Candido faz falta nos ringues literários. Agonizando na lona, quem perde a luta é a literatura brasileira.
Era ali, em meio a porteiros e vizinhos, que Antonio Candido recebia seus leitores e alunos de todo o país. Bastava interfonar. Aos 96 anos, ele não parecia um professor aposentado da USP, mas, sim, um atleta em plena forma. “Eu era, sim, um crítico severo. Se achava o romance ruim, escrevia uma crítica negativa. Um dia, depois que critiquei um autor, me avisaram que ele havia comprado uma bengala para me dar uma sova. Fiquei um bom tempo com medo”, comentou, com uma boa gargalhada, antes de acrescentar: “Mas isso é essencial: o crítico literário tem, sim, que falar mal”.
Antonio Cândido publicou ensaios antológicos: Dialética da malandragem, O poeta itinerante e A educação pela noite são apenas alguns deles. Ensinou sobre a necessidade de estabelecer diálogos multidisciplinares, defendeu as proezas das transgressões — foi o primeiro acadêmico a reconhecer as maravilhas das letras modernistas — e ainda nos deu preciosas lições de boxe. Mais do que nunca, Antonio Candido faz falta nos ringues literários. Agonizando na lona, quem perde a luta é a literatura brasileira.
Publicado no Correio Braziliense (13/5/17)
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