terça-feira, 12 de maio de 2009

Esquartejada sem um pio

“Ô de dentro!”
Lavando o prato de plástico, Edivânia escuta o insistente do portão. Faz sol nesta quinta feira e, graças a Deus, nenhum motoqueiro atropelado no Jardim dos Pássaros.
Camiseta xadrez, calça jeans surrada, suspensório e sapato marrom. Edivânia observa, dentro da cozinha, sem motivos para não simpatizar.
“Bom dia, paz do Senhor. Vim aqui com a indicação do padre Janilson. A senhora não ouviu o sermão de março? Atropelada na Cerro Azul, minha filhinha de sete anos. Que eu corte a sua grama?”
Há três meses faltava nas missas da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Contenta-se em acompanhar pela Rádio Colmeia, chupando manga, os pés descalços. E nem é preciso ajoelhar, uma dificuldade e tanto aos oitenta e dois anos.
“Minha nossa misericórdia! Que o gramado está assim dos ratos do Ney Braga.”
No sorriso do
“Como é o seu nome, seu moço?”
Dente de ouro no sorriso do Amaral.
A vida inteira sozinha. Conheceu a Vila Operária, onde criou o filho único, seu sustento e alegria. A mesada justa para o mês.
“E não faz muito caro?”
Dente de ouro no sorriso do Amaral.
Na bolsa cinza, o cortador enferrujado e as sacolinhas do Cidade Canção. Ó, mato infinito, albergue de todos os peçonhentos desabrigados do Jardim dos Pássaros. Cozinha suja de barro, leite velho fora da geladeira, os óculos esquecidos em cima do fogão aceso.
Cuspiu no gramado, chutou o cortador. O ônibus obedecia a faixa de pedestres e o motorista sorriu ao anjinho, que escapou dos braços da mãe, cruzou a Cerro Azul exibindo a imensa janelinha, onde a língua escorregou marota:
“Pai!”
O asfalto tingido de vermelho durante quatro dias sem chuva. Mais alguns meses para completar oito anos, não fosse o entregador de pizzas embriagado.
Arranca a navalha enferrujada e a lubrifica com cuspe. Em vinte pedaços, Edivânia esquartejada sem um pio. Cheio de moscas e uma gosma amarela entre os dedos dos pés, o corpo seria encontrado em frente ao Parque do Ingá, por volta das oito horas da manhã do dia seguinte, dentro das sacolas do Cidade Canção.
O Sol desaparece. Um motoqueiro é atropelado no Jardim dos Pássaros. Uma deficiente mental acaba de ser molestada novamente pelo padrasto na Zona 7. Dois pedreiros são espancados por policiais no Requião. E na Avenida Brasil, Marta, 58, prostituta, seduz o motorista do Del Rey preto:
“Que eu fico louca com dente de ouro!”

Um comentário:

Unknown disse...

motoboy!
vc ta ficando louco!
aisudhaisudhaisudhaiushda