terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sussurros e gemidos

Minha cabeça ainda estava doendo quando desci as escadas do hotel e peguei o embrulho sem nada dizer ao atendente. Cruzei a Herval apertando a encomenda debaixo do braço e entrei na camionete marrom que me esperava do outro lado da rua, no local combinado, em frente à panificadora.
“Pensei que você fosse mais alto”, disse o gordo ruivo de chapéu panamá.
Ele sorriu, estendeu a mão, perguntou algo sobre o hotel, se eu havia gostado, e saímos em direção à casa do primeiro da lista: um traficante que morava sozinho no Jardim Tabaetê.
A casa era grande, tinha um alto muro protegido com cerca elétrica e três cachorros exibiam suas arcadas dentárias assassinas ao notar minha presença como transeunte. Esperei o sujeito chegar, a casa da frente estava vazia, era uma chance de entrar tranquilamente. Ele parou o carro por volta das cinco da tarde, o portão abriu lentamente e fechou como se sofresse mal de Parkinson. Mas ele não estava sozinho. Chegou acompanhado por uma loira, provavelmente do seu tamanho, o que não era muito: era um nanico. O casal desceu e, dentro da garagem, demoraram no beijo que indicava o início de uma noitada entre sussurros e gemidos. Só um erro de minha parte: era um travesti. Hoje em dia, está cada vez mais difícil identificar esses viados, travestis, essa corja toda.
O gordo dormiu no banco do motorista a tarde toda. Antes de sair, tirei o chapéu panamá da cabeça dele e o acomodei na minha cabeça. Ficou um pouco largo, mas tinha estilo próprio. No começo, há uns quinze anos, eu só fazia meu trabalho com um chapéu panamá. Era a última visão que muitas pessoas tinham dessa vida: minha Colt Special 12 milímetros e meu chapéu panamá.
Na intensidade do amor, ainda na garagem, o nanico se esqueceu de disparar o alarme. Joguei três fartos pedaços de carne envenenada para os cachorros. Em dez minutos, todos derrubados. Entrei pelo lado esquerdo, onde havia uma árvore que quase encostava no muro. Andei pelo telhado e pulei no quintal. Fui tranquilo, sabia que eles estavam no quarto. Na cozinha, os gritos dos amantes se tornam compreensíveis, e era possível ouvir os palavrões, o barulho dos tapas arrebentando, amorosamente, as ancas de alguém no segundo andar.
Abri a porta lentamente. Os dois caras estavam abraçados, em pleno coito, quando dei uma grava no travesti e apontei o revólver para o nanico. Ele ficou pálido; o travesti, mudo. Meteu a mão, bruscamente, debaixo do travesseiro. Sempre a ideia da arma debaixo do travesseiro. Dei um tiro no peito dele que fez o travesti gritar. Meti uma coronhada no traveco.
“Baiano manda lembranças”, eu disse.
Mais um que atravessa para o outro lado da vida contemplando minha Colt 12 milímetros e meu chapéu panamá. O covarde estava de costas, tentando se proteger com um cobertor de lã. A bala estraçalhou seu crânio e espalhou pedaços do seu cérebro na coberta.
O travesti estava roendo as unhas. Tinha urinado no carpete. Tremia. Cobria seu pinto, frouxo, com as mãos. Ainda bem que não é uma garota. Nessas horas, eu chego a hesitar. Mas com o travesti, fui sem dó: um na cabeça. Era o puto errado, com o freguês errado, na hora errada.
Liguei para o gordo.
“Pode vir”, mandei.
Juntos, reviramos a casa. Tiramos todas as gavetas, pegamos carteira, documentos, drogas, dois passaportes e cinco revólveres. Saímos pelo portão da frente, recolhi a carne envenenada e entramos na camionete.
Em frente ao hotel, o gordo me deu um envelope amarelo. Deixei o papel que envolvia a minha pistola no carro dele, cruzei o escuro saguão do hotel sem nada dizer ao atendente e subi as escadas até o terceiro andar. Amanhã será divertido: não gosto de pretos.

5 comentários:

Fernando disse...

Esses contos só têm prostituta, traveco, os pontos mais feios de Maringá e violência gratuita. Mas são bons!

Marta Bellini disse...

Amei!

Wilame Prado disse...

Boa trama. É sempre bom ler seus textos.

Anônimo disse...

Praia manoooo...
ass: tim maia, celso e gordo!

Tatha Fernandes disse...

É sempre bom ler seus textos...