quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mesa 12

Nunca quis saber dos meus dois filhos. Sabia, sim, que eram dois jovens. Jovens desses jovens de verdade, certamente, não desse novo tipo de jovens que saem andando nas ruas abraçados a outros jovens, porque, afinal de contas, eles vieram de mim, dentro daqui, foi com esse sêmen, com o meu espírito, não é mesmo? E jamais uma coisa dessa, uma curva inesperada, abrupta, aconteceria assim sem mais nem menos. Nem mesmo que o pai deles fosse, digamos, meio afeminado, não acredito que uma coisa dessas, a convivência, seja capaz de vencer a força, o poder do sangue meu que corre nas veias deles. Que são homens e de palavra. Veja, eu nunca, jamais, em nenhum momento, deixei de cumprir minha palavra. Talvez, um dos poucos homens, na terra, capaz de morrer com honra. Claro, não conheço você. Nunca falei com você. Não saberia agora dizer a sua voz. Não porque eu não me lembro, mas porque você, para mim, é indiferente e não me importo nem um pouco com o que você está pensando. Claro que aceito. Uma dose de uísque nunca deve ser negada. Mas eu estava falando da palavra. Da importância da palavra. Da necessidade da palavra. Palavra que eu dei desde o início sempre com clareza: não quero saber deles. A mãe me chegou um dia, era uma sexta feira à tarde, lembro do dia e dos sons que o vizinho fazia enquanto martelava algo na parede que ficava ao lado do local onde eu trabalhava. Das seis em diante, quando ele chegava do trabalho, não faço a mínima ideia da profissão, ele começava a martelar aquela porra e, se há alguma curiosidade que eu arrasto comigo nesses setenta e quatro anos é, de longe, que porra ele tanto martelava na parede. Às vezes imagino aquele japonês pequeno, de chinelo de couro, arrebentando a parede com buracos profundos apenas pelo prazer de sentir a parede e seus novos contornos, completamente esburacada, tal como um muro talhado a balas de revólver, canhões, metralhadoras. Enquanto a mãe, uma mulher sem graça, morena, não era feia, mas não era uma dessas mulheres que você, quantos anos você tem, vinte e dois, sei, então, não é uma dessas mulheres que você, com vinte e dois anos, gostaria de se casar e jurar amor eterno em frente ao padre, condenado, na saúde e na doença, a morrer lenta e vertiginosamente no melhor momento do seu sexo, sabe, eu te falo isso porque só era dois anos mais velho que você, sei das suas noites, quer dizer, imagino, afinal, você não é nenhum desses viados do caralho que caminham em Maringá como se aqui fosse um reino homossexual livre e colorido. É seu, ela disse e sorriu, passando a mão no ventre. Saímos de lá, fui puxando o seu braço, o som do martelo do japonês foi ficando mais baixo, quase surdo, enquanto saíamos da loja de estofado de bancos de automóveis do meu irmão, eu não apertava o braço dela, eu acho, só segurava, de leve, porque sabia que o pior seria em seguida, e não queria que ela se machucasse antes de não ouvir minha resposta. Já na calçada ela me olhou fundo. Talvez algum momento, que tal mais uma dose desse uísque, hem, é, como é mesmo o seu nome, então, resumindo não disse nada, sabe. Eu era jovem. Ela era jovem. Eu não queria arruinar a minha vida. Ela não queria ser arruinada, mas fazer o quê? São dois, ela disse. Dois. Meu Deus. Nunca consegui compreender o que veio depois. Sabe, tipo apagão? Os caras da borracharia cuidavam da mulher, que estava em lágrimas, com o vestido de flores rasgado, com o colo praticamente nu, soluçando num choro sem som algum. Como você deixou isso acontecer é a única pergunta do meu irmão que me vem, com força total à cabeça, mas, pensando bem, não sei se ele falou sobre a situação da moça, de algo que muito bem eu poderia ter feito, talvez fosse eu o maldito que a espancou no meio da rua, fazendo com que ela fosse acudida pelos borracheiros da rua, ou talvez, a ele, ela teria confessado o nascimento dos gêmeos. Acho que não, porque dos gêmeos meu irmão nunca tocou no assunto. A mulher foi embora sozinha, passos lentos, acho que sem olhar para trás, seguindo o compasso das marteladas regidas pelo japonês na casa ao lado. Tem mais uísque?

2 comentários:

Anônimo disse...

Nem mesmo que o pai deles fosse, digamos, meio afeminado...

Corrija: efeminado

Abraços

Fabio disse...

muito bonito! e intrigante, meu caro. gostei.