segunda-feira, 5 de julho de 2010

No Saleiros

Eu estava no bar. Saleiros. Gosto de lá porque não tem ninguém. Gosto porque posso beber minha cerveja e ouvir blues. Eu estava sozinho. Na mesma mesa em que eu sempre sento, do lado da janela. No fundo do bar. Tinha uma cerveja e um bloquinho em cima da mesa, intacto. Penso num romance. Num casal. Ele, um jornalista de vinte e dois anos. Escrevo. Ela é loira e trabalha numa livraria no centro da cidade. Ele frequenta a livraria pelo menos três vezes por semana, apenas para ver os lançamentos, comprar um ou outro livro, e torcer para descobrir um novo autor. Ela sempre o atende. Eles nunca conversaram sobre outros assuntos, a não ser o preço dos livros. Ele sempre foi tímido. Nunca se livraram da barreira que os separava. Ponto. Não sei como passar daqui. Peço outra cerveja. A mais barata. Desculpa, a voz disse. É uma garota, com uns vinte e cinco anos, loira. Você é o Alexandre, não é? Gostei bastante do seu último livro. Respondo que não, não sou o Alexandre. Tenho um rosto muito popular, digo. Ela sorri. Sabia que você diria isso. Eu também sabia que você estaria escondido debaixo desse boné. Só uma coisa: você não parece ter sessenta e cinco anos. Ela sai. Minha cerveja chega. Na mesa dela há mais três garotas com a mesma idade. Devem ser estudantes. Delas, minha leitora é a mais gostosa. Tem uma bela bunda. Recorro ao papel. MInha personagem não é mais uma atendente. Ela é morena, é uma estudante de Psicologia, Júlia, que quer abandonar tudo para ser cantora. Ela canta na noite, canta samba, Chico Buarque, enfim, ela é foda. Ele viu um show dela, recentemente, e ficou encantado. Escreveu um conto, “Júlia, minha artéria e meu esôfago”, sobre ela e publicou no seu blog, um blog ruim, malfadado, que ninguém perde tempo para ler. De contos idiotas. Ela leu. Ela pensa que ele é louco. Um desses maníacos que, se tudo der certo com sua carreira, ela enfrentará semanalmente após os shows, saindo dos camarins, fazendo o check in no hotel. Você é realmente uma pessoa triste, indaga a loira. Paro de escrever. Fecho o bloco de notas. As amigas continuam conversando. Mas ela está parada na minha frente, me dá um sorriso. Você é tão triste mesmo? Eu não a conheço. Ela não pediu para sentar. E recebe o copo vazio das mãos do garçom com naturalidade. Duvido que você não aprecie nem um pouco do Saramago. Concordo que você deve sambar mal. Ela toma um gole da cerveja. Estou sem graça. Preparo algo para dizer. O último conto do seu livro mexeu comigo, sabe? “Sou uma pessoa triste”. Tive pena de você. Porque você escreveu também sobre a minha tristeza. Eu canto Adoniran Barbosa quando fico bêbada. Mas, ao contrário de você, recito Saramago, embriagada, antes de dormir no banheiro. Ah, é, eu digo. É, ela afirma. Acabei de terminar com o meu namorado. Ela enche o copo dela, deixa a cerveja na mesa. Acabei de terminar o relacionamento. Com o meu namorado. Estou grávida. Não sei se o pai é ele. Tínhamos um relacionamento aberto. Mas me apaixonei por outro. E contei para ele. Ele estuda Letras comigo. Contei que estava apaixonada por outro. Ele nem ficou bravo. Sorriu. Me deu parabéns. Sei lá. Não dava mais para viver assim. Daí veio a notícia do filho. Disse que a culpa era minha. Que eu não tomei a pílula de propósito. Que eu fizesse o que eu bem desejasse. Dele, mais nada. É isso. Eu ia te escrever um e-mail, contando. Mas você banca o recluso, não dá entrevistas. Quem sabe você não quer escrever algo sobre a minha história. Dou um sorriso. Não diga que não gostou do nosso monólogo, ela diz. Foi fácil encontrar você por aqui. Talvez, se você não desse tantas dicas nos seus livros. Fala a verdade, você não quer se esconder. Qualquer um que lê o seu livro sabe que você frequenta o bar. Aliás, um belo bar. Saleiros. Minha primeira vez por aqui. Acho que volto. Mas já consegui o que eu queria. Até sábado que vem, ela diz. Deixa o copo ainda cheio na mesa. Chamo o garçom. Pago a conta. Saio olhando para o chão. Nunca mais entro nesse bar.

6 comentários:

Unknown disse...

Alexandre Gaioto, ótimo escritor! Sempre inovando, já nem me supreendo mais!!! kkkkkk
Só para quem entende né?!

Tatha Fernandes disse...

eu gosto! =)

Alexandre Gaioto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

gostei

Anônimo disse...

Um ótimo bar.
Precisamos voltar lá mais vezes.

Celso

Najla disse...

Não sabia do seu blog, mas sempre soube desse seu talento para escrita.
Antes era a música, hoje a literatura. Admirável.