A perna perdi na linha do trem
A direita
Se dói não sei não
Desmaiei e acordei assim ó
O eterno manquinho do Borba Gato
Respeitador de todos e muito trabalhador
Meu último emprego era na farmácia do bairro
Levando na casa o remédio dos coitados
E não ficava só na rotina
Eu sempre muito humano sabe?
Conversava com os velhinhos
Aceitava o chá das senhoras solitárias
Ria junto com elas
Fazia piada da minha perna
Deixava o dia um pouco feliz
De bicicleta sim das oito às oito
Cruzando a Vila Operária
Rasgando a Cerro Azul de cima pra baixo
Com cuidado maior na Avenida Brasil
-que não sou besta de ser atropelado viu?
Dois meses manco já pegava a prática
Nem sentia mais a falta da ausente pedalando
Acho que até ia mais rápido
Não sei de onde tiraram essa ideia
Traficante eu?
Só de amor seu moço
Nunca nem usei essas coisas aí quando jovem
Nem sei a cor o peso ou como se usa
Na hora ali fiquei é com medo
Cinco carros me encurralando e cantando pneu
Os brutamontes gritando com a cabeça pra fora da janela
O que cê faria?
Me joguei na magrela
Pisei fundo
Na confusão até perdi o chinelo
Cansado de tanto trabalho tive mau desempenho
Na subida da ladeira me alcançaram os trogloditas
Rindo da minha cara
E da falta que a perna me faz
Quem me conhecia chegou junto
Dizendo ele é do bem trabalha na farmácia
De nada adiantou
Deram uns tapas no meu rosto
Ofenderam minha mãe morta ano passado
Chamaram de puta maloqueira daí pra baixo
Zombando disseram que vou traficar agora no xadrez
Sei como é na prisão
Perneta e estuprador os prediletos dos marginais
Tapam a boca
Não tem como gritar
Amarram os braços
Passam gel às vezes perfume
Lambem todas as suas partes
As mil loucuras na sua frente atrás no seu ouvido
Um por um em fila organizada
Todos famintos carentes de amor
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Traficante eu?
Cristovão Tezza - entrevista

Que o autor de "A Cidade Inventada" continuasse a escrever, não era nenhuma grande surpresa. Afinal, embora Tezza discorde, seu livro exibe um jovem com fôlego e sede por literatura.
Mas que o responsável pela pequena obra de contos pudesse se transformar num dos grandes nomes vivos da literatura brasileira, daí já era demais: ninguém poderia prever.
"Literatura é arte de maturação muito lenta", define o escritor, em entrevista concedida por e-mail. Nesta quarta-feira (15), às 20h, no salão social do Sesc, Cristovão Tezza volta a Maringá, dessa vez, com o status de celebridade literária.
Autor de cerca de trinta obras, Tezza se aventurou pelo romance, teatro, em publicações acadêmicas e lançou aquele renegado e único exemplar de contos. Dos gêneros literários, o curitibano só não usou a poesia. Aliás, usou e não gostou. "Nunca fui um bom poeta", diz.
Nessa trajetória, ele conseguiu escrever obras como "Trapo", "Uma Noite em Curitiba" e "O Fotógrafo". Com "O Filho Eterno" (2007), o curitibano fixou seu nome na literatura nacional.O livro, fortemente baseado em aspectos biográficos, venceu os principais prêmios literários do País. Foi contemplado com o Jabuti, os prêmios da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), Portugal-Telecom e o prêmio São Paulo de Literatura, o que resultou em R$ 300 mil no bolso do escritor, que deixou de lecionar Linguística na Universidade Federal do Paraná (UFPR).Sucesso de crítica e público, a obra será transformada em peça teatral e filme, ambos sem previsões de estreia. Ainda neste mês, a editora Record deve, finalmente, publicar "Um Erro Emocional", encerrando o jejum do escritor e saciando a curiosidade dos leitores. Confira a entrevista de Tezza ao Diário.
Publicada no jornal O Diário em 15 de setembro de 2010
Entrevista - Cristovão Tezza

Publicada em O Diário no dia 23 de setembro de 2010
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
A provocação de Mutarelli
Enquanto sua esposa e filha permanecem desaparecidas, o pai, Paulo Maturello, reaparece na história, vivendo na casa de sua mãe, sem qualquer lembrança do que aconteceu, e passa a ser objeto de investigação. Se ele é o assassino da sua própria família, ou não, cabe ao leitor decidir. "As pessoas querem tudo mastigado. Os leitores não querem participar", reclama o escritor e quadrinista paulistano.
Tal como em "A Arte de Produzir Efeito Sem Causa" (2008) e "Miguel e os Demônios" (2009), Mutarelli recorreu a um clima profundamente misterioso e ao final em aberto – que, segundo ele, não é tão aberto quanto parece. "Deixei pistas sutis para direcionar o leitor ao final da história. O protagonista é o assassino", decreta.
Diálogos

Toda escrita em diálogos, a obra demorou apenas 2 meses para ser composta. "Escrevi imaginando uma história em quadrinhos feita apenas pelos balões das falas das personagens. Foi difícil situar o leitor no tempo e escrever os detalhes das personagens por meio dos diálogos", diz.
A linguagem dos diálogos cortantes permanece seca, concisa. Não há metáforas nem doses de lirismo, como ele fez em "O Natimorto" (2004), sua melhor obra. Nas mãos do escritor, as pequenas paranóias do cotidiano costumam ser transformadas em recursos cômicos.
Desta vez, no entanto, Mutarelli abriu mão do humor minimalista que
marcou sua trajetória literária. "O assunto desse livro é pesado. Suprimi o humor, que havia no começo do livro, porque ele diluía a tensão", diz. "Nada me Faltará" é seu livro menos engraçado, mas ainda há passagens bem humoradas, como uma malfadada sessão de hipnose do protagonista.
Férias
Lançando um livro por ano desde 2008, Mutarelli já sente um peso maior na hora em que vai para frente do notebook ou quando perambula pelo apartamento registrando suas histórias num gravador. "Escrever, hoje, não é tão fácil como era antes. Vou passar um ano sem escrever enquanto aproveito para terminar um livro com meus desenhos. Acho que a distância da literatura vai me ajudar nos próximos livros".
Mutarelli acredita que a profissionalização de um escritor é sempre perigosa. "Estou tomando muito cuidado com ela, afinal, quando passa a ser um trabalho, nada é tão prazeroso", diz.
Mesmo assim, o próximo livro do autor já está pronto e será lançado dentro da série "Amores Expressos", da Companhia das Letras. "Com essa nova história ambientada em Nova York encerro a minha trilogia, iniciada em 'A Arte de Produzir Efeito Sem Causa' e 'Nada me Faltará', com personagens que passam por mudanças em suas vidas e voltam a morar na casa de seus pais", diz.
Na literatura de Mutarelli, as famílias despedaçadas ajudam a compor a profundidade psicológica das personagens envolvidas nas tramas. O clima jamais é ameno. Tudo é soturno, lúgubre, desesperado e as pessoas carregam, em si, um mal que desperta furiosamente sem aviso prévio.
Em "Nada me Faltará", o triunfo literário de Mutarelli é a provocação, envolvendo o leitor numa rede de mistério minuciosamente elaborada, compondo uma obra sem afeto, fria e repleta de angústia.
Para ler
"Nada me Faltará", de Lourenço MutarelliEditora: Companhia das Letras
Preço: R$37
Avaliação: ótimo
Publicada no jornal O Diário no dia 5 de janeiro de 2011.
Leia o relato do meu encontro com Mutarelli, em São Paulo, no início de 2010.
domingo, 2 de janeiro de 2011
Os melhores livros de 2010
Quem aprecia a boa literatura não tem do que reclamar neste 2010. A produção literária foi extremamente bem produzida nos gêneros conto, romance e poesia. No panorama nacional, os livros mais esperados foram "Um Erro Emocional", do curitibano Cristovão Tezza, e "Em Alguma Parte Alguma", do poeta maranhense Ferreira Gullar.
As duas obras estavam previstas para serem lançadas no final de 2009, mas só chegaram às livrarias no segundo semestre. Alívio para os leitores de Gullar.
O autor de "Poema Sujo" (1976) não publicava um livro de versos inéditos há onze anos. Forte candidato a melhor livro do ano em todos os prêmios literários de 2011, "Em Alguma Parte Alguma" é um livro delicado e mostra o poder das palavras do maior poeta brasileiro vivo, versando sobre morte e o cotidiano. Na obra, Ferreira Gullar faz referências ao escritor austríaco Rainer Marie Rilke e dedica meia dúzia de poemas ao seu gatinho de estimação.
Já o curitibano Cristovão Tezza também saciou a curiosidade de seus leitores que, desde "O Filho Eterno" (2007), estavam curiosos para acompanhar seu próximo romance. Numa história de amor, escrita em linguagem límpida e ritmo narrativo veloz, Cristovão Tezza retomou os temas que marcaram suas obras passadas, como "Uma Noite em Curitiba" (1995) e "O Fotógrafo" (2004), e traz para a ficção as tensões dos relacionamentos conjugais.
De Curitiba, Dalton Trevisan mostrou que não perdeu a forma. Aos 84, continua lançando um livro por ano. Desta vez, o "Vampiro de Curitiba" saiu à tona com "Desgracida", investindo em contos curtíssimos, retratando marginais, ladrões, traficantes e prostitutas. Um dos pontos mais peculiares da obra é a inusitada seção que reúne sua correspondência particular. Nas más traçadas linhas de Dalton Trevisan, ele debocha de Guimarães Rosa e decreta que Machado de Assis é o maior contista brasileiro.
Considerado o melhor contista brasileiro, Dalton Trevisan foi o tema da obra de outro paranaense, o escritor Miguel Sanches Neto, de Ponta Grossa. Em "Chá das Cinco com o Vampiro", Miguel Sanches Neto romanceou sua relação com Dalton Trevisan e o retratou de forma cruel. Na obra, o autor fala mal de Dalton, como sujeito e escritor.
A obra, em si, é ruim. Mas é, de fato, um livro histórico na literatura nacional. Ele conseguiu mostrar, pela primeira vez, detalhes sobre a rotina e a vida pessoal do mais recluso escritor brasileiro de todos os tempos. Em troca, foi chamado de "hiena papuda" pelo curitibano e seu livro foi duramente rechaçado no círculo dos escritores.
Entre os novos poetas, os destaques deste ano são os paulistas Fabrício Corsaletti, com "Esquimó", e Alberto Martins, que publicou "Em Trânsito". Ambos publicados pela Companhia das Letras, comprovam que a poesia contemporânea no Brasil tem voz própria e está sólida, mesmo quando comparada ao universo literário de outros países, como Argentina e Alemanha.
Estrangeiros
Dos nomes internacionais, o ano de 2010 teve boas surpresas. O norte-americano Philip Roth, pela primeira vez em sua trajetória, escreveu sobre a relação de um casal de lésbicas, compondo, em "A Humilhação", personagens perturbadas psicologicamente.
Conterrâneo de Roth, Paul Auster fez bonito em "Invisível". Provocou a sociedade estadunidense com uma relação incestuosa entre irmãos e fez uma bela história de amor, em clima de suspense , numa narrativa ágil.
Com "Verão", o sul-africano J. M. Coetzee mostrou uma verve bem humorada ao romancear sua própria biografia a partir das perspectivas das mulheres com as quais se envolveu.
Confira a lista:
Em Alguma Parte Alguma
Ferreira Gullar
Editora José Olympio
Aos 80 anos, o poeta maranhense compõem poemas viscerais sobre a morte, o cotidiano e o amor
Um Erro Emocional
Cristovão Tezza
Editora Record
Uma narrativa delicada e ágil sobre o envolvimento amoroso de um escritor consagrado com sua leitora
Dalton Trevisan
Editora Record
Em contos pequenos, o "Vampiro de Curitiba" dá espaço a ladrões e prostitutas. Na seção de cartas, critica Guimarães Rosa
Invisível
Paul Auster
Editora Companhia das Letras
Com um enredo provocador, o escritor norte-americano escreve sobre incesto e compõe uma bela história de amor e suspense
João Ubaldo Ribeiro
Editora Companhia das Letras
Neste romance breve, o escritor baiano volta a mitificar a ilha de Itaparica e escreve uma delicada história sobre a vida e a morte
A Humilhação
Philip Roth
Editora Companhia das Letras
Pela primeira vez, Philip Roth narra o envolvimento de um casal de lésbicas. A obra explora a profundidade psicológica das personagens
Verão
J. M. Coetzee
Editora Companhia das Letras
Num dos livros mais bem humorados do Nbel sul-africano, J. M. Coetzee faz seu autorretrato por meio de olhares de suas mulheres
Esquimó
Fabrício Corsaletti
Editora Companhia das Letras
Com alusões a Bob Dylan e César Vallejo, Corsaletti desponta como um dos principais nomes da poesia contemporânea no Brasil
Chá das Cinco com o Vampiro
Miguel Sanches Neto
Editora Objetiva
Escritor de Ponta Grossa levou Dalton Trevisan ao universo da ficção, criticando-o como autor decadente e um ser humano pérfido
A Morte de Matusalém
Isaac Bashevis Singer
Editora Companhia das Letras
Contos do Nobel de Literatura, morto em 1875, abordam a vida sexual de suas personagens com bom humor e final surpreendente
Em Trânsito
Alberto Martins
Editora Companhia das Letras
O escritor e artista plástico faz de São Paulo sua personagem principal e versa sobre pequenas situações do cotidiano
Nada me Faltará
Lourenço Mutarelli
Editora Companhia das Letras
Numa obra amargurada, o escritor e quadrinista paulistano narra o desaparecimento de uma família
A Arte de Tomar um Café
André Simões
Atrito Art
Com sacadas inteligentes, jornalista londrinense mostra seu ponto de vista ranzinza e, em alguns momentos, saca da manga doses de lirismo