Enquanto sua esposa e filha permanecem desaparecidas, o pai, Paulo Maturello, reaparece na história, vivendo na casa de sua mãe, sem qualquer lembrança do que aconteceu, e passa a ser objeto de investigação. Se ele é o assassino da sua própria família, ou não, cabe ao leitor decidir. "As pessoas querem tudo mastigado. Os leitores não querem participar", reclama o escritor e quadrinista paulistano.
Tal como em "A Arte de Produzir Efeito Sem Causa" (2008) e "Miguel e os Demônios" (2009), Mutarelli recorreu a um clima profundamente misterioso e ao final em aberto – que, segundo ele, não é tão aberto quanto parece. "Deixei pistas sutis para direcionar o leitor ao final da história. O protagonista é o assassino", decreta.
Diálogos
Toda escrita em diálogos, a obra demorou apenas 2 meses para ser composta. "Escrevi imaginando uma história em quadrinhos feita apenas pelos balões das falas das personagens. Foi difícil situar o leitor no tempo e escrever os detalhes das personagens por meio dos diálogos", diz.
A linguagem dos diálogos cortantes permanece seca, concisa. Não há metáforas nem doses de lirismo, como ele fez em "O Natimorto" (2004), sua melhor obra. Nas mãos do escritor, as pequenas paranóias do cotidiano costumam ser transformadas em recursos cômicos.
Desta vez, no entanto, Mutarelli abriu mão do humor minimalista que
marcou sua trajetória literária. "O assunto desse livro é pesado. Suprimi o humor, que havia no começo do livro, porque ele diluía a tensão", diz. "Nada me Faltará" é seu livro menos engraçado, mas ainda há passagens bem humoradas, como uma malfadada sessão de hipnose do protagonista.
Férias
Lançando um livro por ano desde 2008, Mutarelli já sente um peso maior na hora em que vai para frente do notebook ou quando perambula pelo apartamento registrando suas histórias num gravador. "Escrever, hoje, não é tão fácil como era antes. Vou passar um ano sem escrever enquanto aproveito para terminar um livro com meus desenhos. Acho que a distância da literatura vai me ajudar nos próximos livros".
Mutarelli acredita que a profissionalização de um escritor é sempre perigosa. "Estou tomando muito cuidado com ela, afinal, quando passa a ser um trabalho, nada é tão prazeroso", diz.
Mesmo assim, o próximo livro do autor já está pronto e será lançado dentro da série "Amores Expressos", da Companhia das Letras. "Com essa nova história ambientada em Nova York encerro a minha trilogia, iniciada em 'A Arte de Produzir Efeito Sem Causa' e 'Nada me Faltará', com personagens que passam por mudanças em suas vidas e voltam a morar na casa de seus pais", diz.
Na literatura de Mutarelli, as famílias despedaçadas ajudam a compor a profundidade psicológica das personagens envolvidas nas tramas. O clima jamais é ameno. Tudo é soturno, lúgubre, desesperado e as pessoas carregam, em si, um mal que desperta furiosamente sem aviso prévio.
Em "Nada me Faltará", o triunfo literário de Mutarelli é a provocação, envolvendo o leitor numa rede de mistério minuciosamente elaborada, compondo uma obra sem afeto, fria e repleta de angústia.
Para ler
"Nada me Faltará", de Lourenço MutarelliEditora: Companhia das Letras
Preço: R$37
Avaliação: ótimo
Publicada no jornal O Diário no dia 5 de janeiro de 2011.
Leia o relato do meu encontro com Mutarelli, em São Paulo, no início de 2010.
4 comentários:
Bom texto, canalha...
bom texto, canalha!
esse ainda vou ler, e tirar as minhas próprias conclusões da obra. Mas se tratando de Mutarelli, é piração na certa, e vejo que milhões de seres humanos não estão preparados (ou nem habituados) para idéias tão naturalmente sutis.
Ae Alexandre tá bacana o blog. Parabéns pelos textos, abraço. (Voltei a postar no meu blog)
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