sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Por causo de amor

Como matei meu marido?
Que absurdo doutor.
Não aguento mais chorar.
Repito sim.
Só posso tirar o chinelo?
Meu pé ta coçando bem na sola.
Acho que é frieira.
Coça o dia todo ó.
Esfolado quase sangrando.
Minha história com o Baiano não foi assim como tão dizendo.
Eu amava o pai dos meus filhos.
Mesmo com quase um ano sem sexo.
Na última vez foi meu presente de Natal.
Nesse ano nem isso.
Cada vez mais frio distante.
Daí começou a beber.
Me batia na segunda terça quarta quinta.
Com pausa na sexta.
Recomeçava tudo no sábado quando falava com uma vadia no celular.
Nunca descobri quem era.
Um dia ouvi chamar de meu amor.
Filho da puta.
Me proibiu de usar saia.
Obrigada a sair de casa com blusa até nos dias mais quentes.
E ai se olhasse pro lado.
Lá vinha a mão pesada no meu dorso no meio da rua no supermercado em frente ao Bar do Moacir.
Decote?
Queimou todas as blusinhas num domingo depois do jogo do Maringá Clube.
Rindo alto barriga de fora as crianças assustadas.
Dois meninões todo meu orgulho.
Pra comemorar os sete anos de casada fiz surpresa.
Depois do trabalho voltei com as unhas pintadas de vermelho.
E pimba!
Me bateu com a vara de pescar na área de serviço.
Quando casamos ele adorava minhas unhas assim.
Agora dizia que era de puta vadia biscate.
As marcas do molinete até hoje aqui na minha coxa ó doutor.

O senhor já apanhou de vara?
Sabe como dói?
Eu sei.
Depilação sorvete no shopping andar no Parque do Ingá atravessar o portão de casa.
Proibiu tudo.
Com ciúmes até do carteiro Valdemar.
Um homem tão bom de conversa e conselho.
Minha vida foi isso um ano.
Longe das amigas que escreviam bilhetes e jogavam pelo terreno baldio atrás da nossa casa.
Eu sei que tem essa lei doutor da mulher.
Mas nunca aconteceu com você.
Cê não sabe o que é isso não.
Com todo o perdão.
O inferno te consome.
Tendo que fazer tudo escondido inclusive as compras pros almoços né?
Senão ele me batia porque não tinha feito a marmita.
Mas se eu fazia me batia também porque saía de casa.
E ficava perguntando como me enganava.
Que horas eu saía.
Se eu ia com alguém.
Me enganando a vida toda desgraçada?
Tentei a morte quatro vezes.
Todas nesse ano.
As duas primeiras com estilete.
A terceira engoli as pilhas que você já me lembrou bem antes.
Pra sair um horror né?
Nunca mais.
Depois tentei o atropelamento que também não deu certo.
Não é muito fácil suicídio em Maringá.
Como acusada de assassina se nem eu mesma consigo me matar?
Mas o senhor veja.
Tô aqui repetindo meu amor.
Continuei um ano com ele doutor por causo de amor.
Acreditava de verdade que aquele homem voltaria pra mim.
Nunca vi igual na cama.
Um fogo.
Uma coisa.
Sempre disposto.
Vamos dar uma bimbada?
E aí vinha aquela covinha bonita que eu casei.
Mas depois parou o sexo.
E começou a pancadaria.
Não que deixei de amar não.
Sempre acreditei que o Baiano ia melhorar.
O senhor sabe.
Duas vezes já repeti isso nessa sala.
Sofri aqui dentro ó.
Mas isso não dá pra ver né?
Nem dá pra colocar ai no BO.
Também não ia caber no papel.
O maior amor do mundo.
Pode acreditar.

3 comentários:

Ana Cláudia Covo disse...

Hey Gaioto, adoro sua forma de escrever. Quase perdi a respiração lendo esses três últimos contos.
Mas eu gosto, confesso que gosto sim :)

renato... disse...

amor e controversia, além das coisas que não sabemos explicitar.. lindo conto velho. isso ae.

Anônimo disse...

Excelente! Até me identifiquei em alguns trechos... kkkkkkkkk