Jesus me levou tudo.
Nunca mais devolveu.
Nadinha.
Primeiro foi a casa.
Dois quartos um banheiro grande quintal e puxadinho.
Eu não queria dar não.
Mas eles pediram tão alto né?
Daí tinha que dar sim.
Sai do banco que dividia com minha mulher e outros seis fiéis.
Ela segurava minha mão forte e quase não soltou quando levantei.
Bem sabia que eu tava indo pro mal caminho.
Senão eu não tava aqui né?
Mulher sábia.
Lá na frente o pastor chamava né.
Que a gente precisava pagar a viagem pra eles rezarem no nome de todo mundo na frente do muro.
Não lembro o nome dele.
Não do pastor.
O nome do muro.
Mas por que viajar tão longe só pra rezar na frente do muro né?
Aqui já não tem o bastante?
Cachorro não mija naquele muro não?
Pedi licença pra senhora do meu lado.
Oitenta anos tadinha.
Deu o que tinha.
Até os brincos o pastor pediu.
Eu mesmo queria ir embora.
Mas não podia sair no meio de todo mundo né?
O que iam pensar de mim?
Filho de satanás?
Não queria a oração deles?
Traindo Jesus de novo Juvenal?
E se eles perguntassem isso?
Fui tremendo.
Lá na frente o pastor não me olhava.
Botou os olhos pra cima da minha cabeça.
E lá as duas mãos.
E a sua casa Juvenal?
Aquela que eu benzi eu mais o Senhor?
Vamos colocar ela aqui no nome do Senhor Juvenal!
Vamos? Vamos? Vamos Juvenal!
Vamos não.
Pensei mas não consegui falar.
Então ele olhou sorriu e começou a gritar palmas pro Juvenal que agora será abençoado até na vida eterna pra todo sempre irmãos amém!
E todo mundo me aplaudia.
A velha sem brinco sorria.
Quando eu tava voltando pro meu lugar com as pernas bambas tremia como nunca doutor.
Ele me puxou de novo.
Juvenal e o seu carro Juvenal?
Eu tentava achar minha mulher mas tinha um velho bem na frente.
O velho me olhava com amor saindo olhos azuis como os da minha mãe.
Juvenal dê o seu carro a Jesus Juvenal!
Não meu carro não pastor respondi bem baxinho.
Juvenal cê não precisa disso Juvenal!
Não deixe o Satanás te guiar Juvenal!
Que cê vai ter em dobro irmão!
Tudo em dobro em nome de Jesus!
Daí cê viu né?
As quarenta pessoas me aplaudindo de novo e chorando.
Mas quem chorava no fundo era eu.
Como eu ia pro trabalho?
Toda manhã de carona com Jesus?
Desespero muito sim.
Acho que nunca suei tanto doutor.
O pastor me empurrou pra mesinha do lado.
Onde sentava uma moça muito bonita e atenciosa.
É Juvenal do quê?
Aquele perfume o sorriso eu nunca esqueço.
Juvenal da Silva Dias.
Pediu meu documento.
Tirei do bolso da calça.
Essa mesma que eu tô usando.
Ela anotou umas coisas lá.
E me deu um papel pra escrever o nome e RG.
Ai o pastor já tava do meu lado.
E começou a gritar tudo de novo.
Que Juvenal a gente tem que rezar pra todos no muro e pôr as orações lá.
E que pra ir no muro tem avião hotel passagem conta de luz que tá atrasada a tinta que tem que pintar o salão a água.
E que eu e todo mundo que doasse ia receber em dobro ainda em vida!
Tudo em sete meses!
Bem no tempo que sempre foi do Criador!
Quando terminei de assinar ele mandou todo mundo aplaudir.
E chamou uma outra pessoa.
A sensação?
De liberdade doutor.
Sai a pressão do mundo e da situação né?
Não deram só carro e casa não.
Eles aceitavam de tudo.
Quem não tinha casa dava microondas computador tevê tênis o brinco que a senhora deu e que eu já disse.
Minha mulher desmaiou no meio do culto.
Calor infernal o daquela fogueira.
Fomos pra casa.
Mas já tinha gente da igreja lá.
Três homens fortes que nunca vi.
Mostravam o papel com meu nome e número.
Implorei por Jesus e por um banho.
Depois de muito insistir deixaram.
Mas não pude tocar nem pegar em nada.
Tomei banho com o cara sentado na patente.
Eu e Marlene fomos pra casa do meu irmão que é cafetão doutor.
Cuida de prostitutas mas é bom homem.
Mas não quero perto da minha família.
Não gosto dele.
Não segue as regras de Jesus.
Uma prova?
A única coisa que tenho é isso aqui ó.
Esse papel dizendo que um pedaço do céu é meu.
Aqui embaixo assinado pelo Senhor Jesus Cristo.
Perdi o emprego porque não tinha o carro.
Sem carro não Juvenal.
Nem quiseram ouvir sobre o dia da fogueira santa.
Logo você Juvenal?
Ninguém foi rezar por mim em nenhum lugar.
Faz oito meses já.
Enganado sim feito idiota.
Que eu faço com esse papel aqui?
Sem casa carro nem oração?
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3 comentários:
"Tamanho não é documento
Vem, poesia
Vem que eu te arrebento"
Caro Alexandre Gaioto, gostaria de parabeniza-lo finalmete um conto que preste neste Blog. Isso que vc escreveu é uma realidade que poucos conseguem expressar, muitos quando perdem Casa, Carro e dinheiro, perdem também a Familia e a dignidade. É isso ai cara, saia desta porra de porno e começe a expor o Gemido do Povo Sofredor.
Muito bom.
Ps! Estarei reproduzindo seu conto em meu Blog com os devidos creditos.
Abraços!
Parabéns Alexandre! Gostei muito desse, condiz com a realidade de muitos brasileiros enganados por um certo CANALHA. hehe
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